Tem fases da vida que parece que tudo precisa mudar. Algumas vezes percebemos logo as partes que por tempo demais ficaram paradas e em outras as coisas simplesmente ganham vida e começam a te empurrar para tomar atitudes desconfortáveis.
Poderia citar aqui minha astróloga, que disse, quando fez minha revolução solar, que se não me engano Saturno, quando percebe que não estamos nos direcionando para os caminhos que precisamos, acaba dando “sinais” menos sutis ao indicar as rotas. Ou seja, a gente teria tempo para fazer transições com mais tranquilidade, mas todas as vezes que pudemos escolher com menos sofrimento, optamos por ficar onde estávamos. Afinal, não estava tão ruim assim. Ainda.
Esse era o sinal. Não tava bom, eu poderia ir aos poucos me organizando para fazer diferente, mas não. Escolhi ficar em um lugar onde já conhecia quais lutas teria que travar todos os dias. E com o tempo se tornou insustentável, porque nunca foi sustentável, eu só quis acreditar que se me esforçasse mais um pouco uma hora o jogo ia virar.
Nota: às vezes fico em dúvida dos limites entre resiliência e burrice.
Já faz alguns anos que eu venho tentando entender pra onde quero ir profissionalmente. Não digo só em quais empresas gostaria de trabalhar, me relacionar, mas quais formatos de trabalho funcionam melhor para o meu estilo de produtividade.
Na virada do ano de 2023 para 2024, criei uma meta. Estava cansada da vida incerta de ser autônoma - formato que retomei em 2022. Até agosto de 2024, eu precisava encontrar um emprego remoto que pagasse o suficiente para me manter.
Desde então, criei uma rotina para procurar vagas enquanto seguia prospectando e fazendo projetos com empresas parceiras. Alguns desses projetos me fizeram sentir que esse poderia ser um caminho viável, porque via que o que eu entregava para as pessoas tinha valor tanto para elas quanto para mim. Porém, a sensação de que a cada mês tudo zerava estava me exaurindo.
E assim, eu sei que esse é o jogo. Quem vende produto passa por isso todos os meses, mas eu não queria voltar a viver com tamanha angústia. Eu achei que dessa vez já conhecia mais gente do que em 2014 - primeira vez que me lancei no mercado autônomo pós formada - estava confiante abrindo conversas com desconhecidas para me apresentar e organizando a minha narrativa de uma forma que fizesse sentido para mim.
Mas aí a minha reserva de emergência foi acabando e eu não tinha perspectiva de novos projetos, o clássico do freelancer. A gente nunca sabe quando vão entrar novos trabalhos e acha duas vezes por dia que nunca mais ninguém vai nos chamar pra nada até que finalmente recebemos uma mensagem pelo whats pra um projeto qualquer por um valor mínimo.
Junto a isso, vivemos o resultado da negligência climática em Porto Alegre e eu percebi que os contatos locais que eu tinha me dedicado a nutrir e que tinham tudo para virar projetos, não iriam acontecer tão cedo.
No meio disso tudo, minha cachorra rompeu o ligamento de uma das patas em uma freada de carro mesmo usando cinto de segurança. Vivi todas as emoções de pseudo diagnósticos, possibilidade de cirurgia - que ainda não foi descartada - consultas mil, remédios mil, dinheiros mil.
Esse foi o cenário que me fez rever todas as decisões que eu tinha tomado profissionalmente.
Eu não sou uma pessoa que pensa em arrependimentos. Eu tenho plena consciência de que fiz 100% o meu melhor em cada momento que vivi. Mas dessa vez entendi que eu não poderia só olhar para o que era importante para mim. Chame isso de maturidade, ser adulta, viver, mas esse foi como um sinal de que não fiz sempre as melhores escolhas e agora precisava deixar de lado partes que lutei muito pra construir.
Isso tudo era o que passava na minha cabeça enquanto eu procurava um trabalho remoto que pagasse ok. Quando vi que remoto era coisa de pandemia e que a realidade pós COVID era híbrido para baixo, adicionei ao questionamento toda a rotina deliciosa que eu tinha trabalhando de casa e que teria que abrir mão.
Abrir mão de poder dormir mais porque não precisava me deslocar. De ter meu momento de passar café especial depois do almoço. De poder focar e resolver em 2 horas o que presencialmente, precisando interagir com pessoas, eu levo 4. De não pensar no que vestir, porque só serei vista do busto pra cima.
Mesmo sabendo disso tudo, quando apareceu uma oportunidade híbrida alinhada minimamente com meus valores eu aceitei. Disse sim com todos os medos possíveis. Medo de não conseguir colocar os limites no trabalho com propósito que no passado me levaram a ter crises de ansiedade e pânico. Medo de não me reconhecer novamente em nome do trabalho. Medo de perder os rituais diários que me fazem mais humana.
Quando contei para minhas amigas que acompanharam um pouco do meu período de busca, todas ficaram muito contentes - mas eu não entendia por que. Elas não estavam se lembrando de tudo que eu estava abrindo mão? Como elas poderiam estar mais felizes do que eu? Por que eu não conseguia ficar feliz?
Faz duas semanas que eu estou nesse novo trabalho, que é híbrido 4 dias presencial e 1 home office.
No primeiro dia, minha mochila estava explodindo de coisas. Eu queria garantir que alguns rituais fossem possíveis de ser mantidos mesmo longe de casa. Levei um crochê que estou fazendo e seria leve de transportar, lanchinhos para eu não gastar, marmita de almoço, garrafa de água, caderno e garrafa térmica com café passado.
Em uma semana, deixei metade das coisas na minha mesa para não precisar transportar, entendi que o caderno eu não iria usar e que meus colegas estavam abertos a experimentar trocar o Melittão por café especial.
Meu medo de ficar exausta socialmente se revelou mais um receio do que uma realidade. Decidi entrar nessa empresa sem querer resolver todos os problemas que ela possivelmente terá e que não são meus. Vou focar em fazer meu trabalho e contribuir com o que influencia diretamente nas minhas entregas. Eu não preciso ser a mais simpática, agradável e engraçada em todas as interações e isso é um peso quilométrico a menos.
Como eu percebi que não precisava garantir sempre a descontração do time que não é meu? Porque algumas colegas chegavam na sala já avisando: hoje não quero conversar. Hoje acabou meu carisma. E eu simplesmente entro nesse flow e fico quietinha.
No horário do almoço, que eu tinha receio de ter que ficar conversando sobre a vida e não podendo curtir um momento em paz com a minha comida, cada uma faz o que quer. Na uma hora e meia de almoço que eu tenho, esquento a minha marmita, como com quem estiver na cozinha e saio em seguida fazer o que eu quiser. Recentemente, aproveitei pra desbravar o espaço do Tecnopuc, onde fica a empresa.
O lugar é realmente lindo. Com uma natureza que a minha imaginação não conseguiu pensar ser possível e que eu de casa não teria acesso. Em casa, eu saia da cadeira de trabalho, ia para a cadeira da mesa comer e voltava para a cadeira de trabalho. Nessa nova rotina que estou criando, em dias de sol quero me jogar em alguma das redes espalhadas e ficar olhando os passarinhos enquanto ouço um podcast que eu goste.
Pode ser que as coisas estejam boas porque faz poucos dias? Pode ser. Mas eu imaginei cenários tão péssimos que não me permiti pensar no que o novo poderia ter guardado pra mim. Afinal, quando a gente foca em pensar em todos os cenários possíveis e tudo que poderia dar errado, não tem espaço para ser surpreendida positivamente.
Que alívio perceber que a realidade não é como imaginamos.
P.s: os conteúdos do Sozinha Não, as mentorias e consultorias que eu vinha fazendo vão continuar, tá? A agenda ficou mais apertadinha, mas conversando tudo se organiza. Se você quiser saber mais sobre meu trabalho, pode acessar as infos aqui.
~ Compartilhados do mês
~ A news de hoje foi inspirada no episódio do podcast É Nóia Minha, da Camila Fremder. Enquanto ouvia o ep. sobre viver as expectativas dos outros , fui me dando conta do quanto vivemos na própria cabeça e acabamos, muitas vezes, sendo mais narcisistas do que percebemos.
Andei ouvindo podcasts sobre alimentação, relação com o corpo e o crescimento do uso de ozempic. Os que mais gostei foram:
~ Bom dia Obvious sobre o controle social dos nossos corpos, perda de autonomia alimentar e o tanto que a gente engorda depois da dieta.
~ What now?, do Trevor Noah, com a participação de uma jornalista que estuda há anos sobre o ozempic. Um trechinho que me deixou super reflexiva:
“Ninguém julga alcoolismo e compulsão por compras da mesma forma que julga a obesidade. Parece que o ozempic escancarou como as pessoas não tem autocontrole na contemporaneidade.” “O que estamos vivendo é uma guerra contra o apetite, enquanto as indústrias continuam criando comidas viciantes.”
~ Ainda no tema, vi esse vídeo do Atila explicando o que os exercícios físicos fazem com o corpo e pasmem: atividade localizada não tem resultado localizado 🤯
Também entrei em um looping sobre relacionamentos e sexualidades.
~ No ep. da Bom dia Obvious com a Renally Xavier, a Marcela fala sobre o ep. do Meu inconsciente coletivo que inspirou ela pra essa conversa. Começando pelo ep. da Obvious, que é mais recente, elas se aprofundam mais nas razões que levam os homens a transarem tão mal.
~ Já no ep. do Meu inconsciente coletivo sobre Homens que transam mal, também com a Renally, a conversa entra mais nas questões psicanalíticas do quanto os homens não percebem que existe uma mulher na relação. Especialmente bom esse podcast.
Das últimas coisas que andei ouvindo/assistindo sobre capetalismo:
~ O ep. do Imposturas Filosóficas sobre liberdade de expressão, ou como eles explicam lindamente, liberdade de opressão. Os Rafaeis desenvolvem sobre o fato de não existir liberdade individual, pois não conseguimos fazer nada sozinhos. Dependemos de um capital social para fazer qualquer atividade.
~ Esse ep. do Imposturas me lembrou de um dos vídeos da Ritinha da série o ABC do Socialismo, que recomendo assistir todos. Ela explica no vídeo “O socialismo não é sempre uma ditadura?”, como não existe capital individual, apenas social.