Esses dias uma amiga me perguntou como eu estava. Ela fez a pergunta na maior simplicidade, essas que a gente faz imaginando que tudo vai estar mais ou menos como estava na semana passada, na última vez que conversamos. Mas eu, do lado de cá, não sabia absolutamente como começar a responder. Também não sei como começar essa newsletter ou onde ela vai terminar. Tenho tanto pra falar e tão pouca clareza (hehe).
Eu respondi pra ela algo como “preciso te contar várias coisas, mas ainda estou processando a maioria delas, então vou dizer que estou ok”.
A verdade é que eu tenho pressa pra viver, mas minha natureza emocional é super lenta. Demoro pra entender o que estou sentindo, demoro inclusive pra começar a sentir. Me apaixono e me desapaixono vagarosamente, raramente fico furiosa, talvez porque a fúria tenha uma característica repentina, urgente. Também tomo decisões quase que em câmera lenta, não sei dizer exatamente porquê.
Isso me torna responsável ou apenas reticente… caprichosa ou covarde?
Independente de como somos ou do nosso desejo, às vezes a vida nos pressiona a agir. Já se depararam com momentos como esse? Onde você até gostaria de pensar um pouco mais, mas as cartas estão na mesa e os outros jogadores estão esperando a sua vez. Tudo estava indo calmamente, conforme o plano, mas você se distraiu um pouquinho, não sabe mais o que está acontecendo ou o que fazer com as cartas que tem na mão.
(Dá pra imaginar que sou péssima em todos jogos de baralho.)
Acontece que meu ano ano começou exatamente assim, exigindo mudança, a vida virada ao avesso. Meus relacionamentos, minha casa, a cidade onde eu moro, os próximos planos, tudo precisa ser repensado. Em uma soma de acúmulos e acontecimentos repentinos, as circunstâncias ao meu redor mudaram rapidamente.
Me deparo, às vésperas dos meus 33, com a angustiante e curiosa necessidade de recomeçar.
Diante disso, cada dia eu acordo de um jeito. Desesperada hoje, otimista amanhã, triste no domingo passado, confiante na terça-feira e então novamente ansiosa no dia seguinte. Ou só cansada, quando tudo que eu gostaria era me enrolar um pouco mais na cama e voltar a dormir. Que alguém tomasse todas essas decisões por mim.
Eu sei que, no fundo, essa confusão vem de uma tentativa ambiciosa de fazer tudo da melhor forma. Tenho vontade de honrar o caminho até aqui, sem deixar de respeitar quem caminhou comigo. Mais do que isso, tenho um desejo profundo de honrar a mim mesma.
Só que nem sempre a gente sabe como. Certo? As escolhas parecem todas tão importantes. Em tempos de muita mudança, não podemos andar desatentas. Tudo ganha um peso maior, talvez por isso que recomeçar gere muito medo. É preciso escolher dentre vários caminhos novamente, com essa nova bagagem de coisas que deram ou não deram certo e as infinitas dúvidas do que fazer a seguir.
No gráfico do meu corpo, sou 70% água e 30% dúvidas…
Infelizmente, é muito ruim se apegar a ideia de tomar a melhor decisão. Podemos cair na armadilha de ficar remoendo o que poderia ser diferente, ou nossas próprias limitações em temperamento e atitude. O pior é que existem zero chances de prever o futuro. Nós conseguimos avaliar o melhor caminho apenas até certo ponto, sem muitas garantias. Acredito que nessas horas a vida está fazendo um convite e, por mais receosa que se esteja, ficar paralisada é a pior opção.
Aprendi recentemente a origem da expressão winging it, e acho que ela cabe bem aqui. Ela se traduz para algo como “improvisar” em português, mas a origem do termo em inglês vem do teatro e tem um contexto bem interessante. “Wings” se referem as laterais do palco, que ficam logo fora da vista do público, e winging it foi usado pela primeira vez se referindo aos atores que ensaiavam rapidamente suas falas nessas laterais, logo antes de entrar em cena, porque haviam sido chamados de última hora para substituir alguém ou encarregados de um novo papel. Ela adiciona ao improviso a noção de estar despreparado ou de ter que se virar às pressas diante de uma nova situação.
Entrar em cena, com novas falas, depois de se preparar insuficientemente à beira da novidade, diante dos olhos dos outros.
É um bom paralelo à nossa vida. Pelo menos é como eu me sinto, nesses últimos tempos.
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Não sei bem como recomeçar ou como vou me sentir em seguida. O jeito é desejar boa sorte pra todo mundo, respirar fundo e pisar no próprio palco. Pra ser sincera eu não achei que esse texto terminaria em uma versão tão otimista. Provavelmente não é o mesmo que eu escreveria ontem, ou amanhã. Mas é o que eu decidi fazer hoje, esperando que faça algum sentido com o que têm pensado ou passado por aí. Me digam vocês, 2024 começou com tempos de calmaria ou tempos de tormenta?
Seja qual for, espero que sigam firmes, mesmo que não estejam 100% prontas para a próxima cena.
Escrevo pra vocês em breve.
// Compartilhados do mês
Eu nunca tenho muitas coisas para compartilhar, mas vi um filme semana passada que me fez feliz. Juro. Dias Perfeitos, do Wim Wenders, com roteiro escrito por ele e por Takuma Takasaki. O personagem principal é uma preciosidade, trabalha limpando os banheiros públicos de Tóquio e tem uma vida interna muito rica. As atuações são delicadas, a trilha sonora é escolhida com perfeição, o visual do filme é documental e lindo, tudo ao mesmo tempo. Ele lê dois livros que procurei para recomendar Palmeiras Selvagens, de William Faulkner e Tree, de Aya Koda (não encontrei ele em português ou inglês, mas parece estar presente nesta coleção de ensaios da autora). O filme é poético, sensível, como poucos que vi recentemente. Encantador.
Que eu lembre é isso, ando distraída dos conteúdos da internet e lendo muito pouco. Mas se assistirem me contem o que acharam.
**O prato-pintura no início do email é da @marimarki.
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