Ando tensa, dormindo mal e pensando demais no futuro. Vivendo muito pouco. Não sei bem o quanto desse mal estar é pessoal e o quanto é coletivo - uma ressaca que vai além dos dramas cotidianos e vêm também de tudo isso que aconteceu no nosso Estado recentemente. Todo mundo que eu convivo parece abatido, por melhor que esteja.
E eu, que nunca tive insônia, me vejo indo dormir duas ou três da manhã, revirando o twitter ou procurando qualquer outra inutilidade que sirva de distração. Comentei, na terapia, que tenho fugido das coisas importantes: não me falta tempo, tenho deixado tudo para depois com uma certa consciência. A culpa é dessa ansiedade crescente, que vem me atropelando no ultimo mês. Quanto mais ansiosa eu fico, mais procrastino. Quanto mais importante é o que preciso fazer, mais difícil de domar o desejo de desaparecer. Quanto mais tempo eu perco no dia, pior o meu sono. Suspeito que uma parte do meu cérebro tenta compensar, bem na hora de ir dormir. Isso vira uma grande bola de neve e cada dia eu acordo mais cansada (esse texto por exemplo eu comecei 21:44 e quem sabe quando vou terminar?).
Quando a gente trabalha num modelo autônomo, e no meu caso com um trabalho bem criativo, essa capacidade de organizar e renovar a própria energia acaba se tornando um dos pontos mais importantes. Porque essa habilidade perpassa por várias outras coisas: o gerenciamento do nosso tempo, nossos momentos de descanso, nossa aptidão de conciliar o perfeccionismo com a capacidade de agir, nossos prazos para finalizar as coisas e seguir para os próximos desafios, nossa saúde… sei lá. A lista é gigante.
Isso acontece com todo mundo, mas fica tão aparente quando trabalhamos sozinhas. Ainda mais quando o que fazemos toma um espaço enorme dentro da gente - parece mais fácil cair nessa dinâmica quando o que a gente cria tem um valor bastante pessoal.
Com frequência penso que essa ansiedade aparece quando tento dar conta de coisas demais. Mas se diminuo o número das “coisas”, a sensação de cansaço e a vontade de procrastinar não necessariamente diminuem também. Já notaram isso? Às vezes, inclusive, é o contrário que acontece. Então li esses dias que isso é um reflexo de fazer coisas que não amamos… (hehehe) mas será? Achei muito suspeito, não dá pra fazer só as coisas que amamos. Mais da metade das coisas que eu mais adoro é super chato de fazer. No sentido de que, sim, tem a parte boa, mas tem outras partes que eu evitaria sempre que pudesse.
Então se eu seguisse o clichê de “se não fizer de todo coração, não faça” eu não sei onde eu terminaria. Acho que isso pode funcionar para algumas pessoas mas não pra mim - o que eu preciso é justamente descobrir um jeito de driblar essa pré-disposição.
Acabei lendo bastante sobre isso nos últimos dias e, de todas as coisas que anotei sobre o assunto, a melhor resposta que veio até agora foi uma reflexão do meu próprio psicanalista, depois da conversa que eu comentei ali em cima.
Ele disse, e eu vou contar com palavras muito mais fáceis, que muitas vezes a gente procrastina para evitar o desconforto de fazer algo sem ter muita certeza, ou (se a gente acha a coisa a ser feita muito importante) evitar a dúvida de não dar conta, de não fazer do jeito certo ou suficientemente bem. Ou ainda, porque temos receio da mudança que a nossa ação vai gerar, dando errado ou dando certo. Então a gente vai evitando lidar com aquilo… vai deixando pra depois enquanto consegue e isso consome muito da nossa energia. Na hora é bom (ufa me livrei de um desconforto!) mas depois gera culpa e ainda mais ansiedade (no celular 03:15 da madrugada conferindo a agenda do dia seguinte).
Eu compartilho isso com vocês porque é algo bastante genérico, eu acho, do comportamento humano e que muitas de vocês podem até se identificar. A gente acaba, mesmo em situações completamente diferentes, repetindo alguns padrões. Corta então pra outra fala dele (quase um resumo aqui da minha sessão de terapia né?) dizendo que o que a gente faz não é só nosso, que as únicas coisas que são unicamente nossas são as coisas que a gente deixa de criar, que ficam só dentro da nossa cabeça.
Faz bastante sentido: tudo que a gente coloca no mundo recebe interações e transformações dos outros, das circunstâncias, até da sorte. E, a partir do momento que é realizado, foge um pouco - ou muito - do nosso controle. Isso não nos redime da responsabilidade de fazer o nosso melhor, mas suaviza um pouco a pressão de ter que analisar os desdobramentos de tudo. No meu caso, para minha versão da ansiedade e da procrastinação, essa ideia traz um grande alívio.
Cheguei à conclusão de que o que me deixa tão ansiosa e tão cansada não é então “fazer coisas demais”, ou “fazer coisas que eu não amo” (hehe) - e sim, colocar tensão demais em cima das minhas decisões, sejam elas grandes ou pequenas. Uma pintura que tenho que finalizar, uma oportunidade que eu posso ou não aceitar, uma conversa que eu preciso ter. Uma decisão profissional, uma questão financeira ou uma questão do coração. Todas essas ações podem ser vistas dentro dessa mesmo ótica: o melhor que eu posso fazer é só isso - o melhor que eu posso fazer. Não me protege de nada e não garante nada também.
Ao mesmo tempo, fazer o nosso melhor, por si só, já é algo maravilhoso. É uma ideia redentora pensar que estamos entregando o que é possível, nesse momento.
O mundo anda tão confuso e caótico que, pelo menos hoje, esse parece o melhor caminho, aquele que menos nos paralisa. Daqui alguns dias, quem sabe na próxima newsletter, a gente volta com ideias grandiosas como “superar a si mesmo”, “atravessar a própria resistência” ou “dar todo o coração ou nada”. Por hoje eu fico aqui, com essa ideia maravilhosa de que (pasmem) não temos controle sobre tudo, então a opção é seguir fazendo o que queremos fazer, o que precisamos fazer, assim que as coisas se apresentam diante de nós. Agir com a energia e os recursos que temos agora - e torcer, quem sabe, por um tanto de sol e sorte.
** Prints da Newsletter: 1. Tenho muito no meu prato mas não estou com fome, ilustração de @shuturp; 2. Imagem do filme “Dream Scenario”, post de @lucasliedke.
// Compartilhados do mês
Poucas coisas para compartilhar esse mês, fora uma em especial: comecei a ler A Room of One's Own, “Um quarto só seu” de Virginia Woolf. Estava há muito tempo na minha lista, me indicavam com frequência dizendo que era uma leitura necessária mas eu sempre acabava deixando para depois… agora me parece perfeito para todas mulheres que escrevem, mas também pintam, criam, inventam… buscam colocar algo de si no mundo. É um ensaio da autora, resultado de uma série de aulas da mesma, em escolas femininas de Cambridge, em 1928, quando ela foi convidada a falar sobre mulheres e escrita, mais especificamente mulheres e ficção. Para quem não leu, indico muito - a escrita desde o início é cativante e provocadora, uma avaliação precisa das limitações impostas às mulheres no campo intelectual e criativo no decorrer da história, e as formas encontradas para driblar essas mesmas condições.
Além disso, esse mês tenho ouvido quase em looping o álbum que o RM lançou no final de maio: “Right Place, Wrong Person”. Acho tudo que ele faz muito bom, mas nesse ele se superou…. música boa, experimental, que percorre vários estilos. Ele escreve bem, compõe bem. Até a parte gráfica do álbum é linda. E os clipes, pra quem gosta de deixar as músicas rolando no Youtube, os que eu mais gostei: Lost!; Nuts; Groin. Vale sempre add a legenda.
São essas pra hoje. Em Julho é a Gabi Teló quem escreve para vocês e nós nos falamos novamente em Agosto.
Se cuidem.
Beijos <3
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li essa news só hoje e é impossível não se sentir acolhida 🩷 mais uma vez a certeza de não estar sozinha!
nenhum pouco sozinha <3