Relacionamentos são há um tempo meu assunto de estudo e interesse. Tentando lembrar quando eu comecei a me interessar pelo tema, percebi que foi na pré-adolescência, quando o meu interesse por garotos começou a se manifestar.
Eu tinha uma sede insaciável por informação. Queria conhecer mais a mente do “sexo oposto” que era tão difícil de entender. Era como se eles falassem uma outra língua, geralmente a do silêncio, onde as garotas - me incluo aqui -, ficavam que nem umas baratas tontas interpretando migalhas de atenção.
Mesmo me interessando há muito tempo pelo assunto, percebi só agora que o que eu realmente buscava entender era o amor.
* até pouco tempo atrás eu não entendia que amor poderia ser mais do que romance. Graças a filosofia hoje eu sei que o amor está em diferentes formas de relação, especialmente na amizade ❤️*
Por não saber que era o amor que eu investigava, sempre que me dava conta da sua presença eu fugia dele. O amor me parecia um tema menor, que poucas pessoas davam atenção em tempos de capitalismo e produtividade. Essa fuga também vinha acompanhada de medo: e se eu me aprofundasse demais no amor e acabasse me perdendo?
Me perdendo aqui, provavelmente estava relacionado a identidade que eu havia criado e a persona que eu desenvolvera para sobreviver ao desamor. Percebo hoje, como muita dessa vontade de conhecer mais desse sentimento considerado “natural” vinha da busca por compreender se eu sabia ou não amar. Se eu já tinha ou não sido amada.
Quem tem maior certeza do que é o amor deve estar me achando meio maluca. Lembro que conversando com um amigo em um bar, anos atrás, perguntei a ele se ele sabia o que era o amor. Seus olhos arregalados ao final da pergunta já me revelavam uma parte da resposta: ele não só achava que sabia, como estava surpreso por eu não saber.
Quem não sabe o que é o amor?
Segundo bell hooks, muitas pessoas.
No seu livro “tudo sobre o amor: novas perspectivas” (2021), ela começa dizendo que na literatura poucos autores se arriscam a definir o que é o amor. Eles trazem o sentimento como se fosse algo “universal”, que todos sabem o que significa, não havendo necessidade de explicação.
E é aí que o problema começa. Não porque a criação de uma definição limita o entendimento de algo e sim, porque sem ela não temos uma base para debater.
Depois de muito pesquisar, bell encontra um autor que se arrisca nesse campo. Para Erich Fromm, o amor é como “a vontade de se empenhar ao máximo para promover o próprio crescimento espiritual ou o de outra pessoa.” E continua:
“O amor é o que o amor faz. Amar é um ato de vontade - isto é, tanto uma intenção quanto uma ação. A vontade também implica escolha. Nós não temos que amar. Escolhemos amar.”
Ler essas palavras foi de um acolhimento que fazia tempo que um livro não me trazia. Me senti menos sozinha nessa dificuldade de entender o amor e confirmei o que eu já suspeitava sobre ele ser uma escolha e não, como hooks afirma em seguida, algo instintivo.
Sempre achei difícil dizer eu te amo e desconfiava de quem a afirmava como se fosse um bom dia. Eu te amo, me parecia algo tão grande, que você precisaria ter certeza de que amaria aquela pessoa pra sempre. Não poderia estar no campo da dúvida, de algo que você poderia mudar de ideia depois.
Entendo agora que a gente pode amar por um instante e que isso não deixa de ser amor. É difícil de entender isso e de aceitar, mas também é bonito perceber que o amor pode estar perto do que se conhece por felicidade. Talvez, a maior diferença é que o amor dura mais do que apenas alguns segundos.
Voltando ao ponto da ação e intenção, outra coisa que sempre me deixou confusa foi me relacionar com pessoas que diziam que me amavam, mas agiam demonstrando o contrário. No livro, bell hooks usa muitos exemplos da sua família, algo que eu entendo completamente.
Nem sempre as pessoas sabem como demonstrar e interpretar o amor. Porém, uma coisa precisamos ter alinhado: o amor não existe em espaços de desrespeito, falta de cuidado e abuso. Outro lugar que é difícil do amor sobreviver é quando ele está envolto em dinâmicas de poder, como vemos acontecer bastante em relações heterossexuais.
Além disso, amor é diferente de cuidado. Nós podemos nos sentir cuidadas por alguém, mas não amadas. Por outro lado, é muito difícil nos sentirmos amadas por alguém e não cuidadas. Faz sentido?
Se amor envolve ação, então além de perceber que amamos alguém, precisamos demonstrar. Falando assim parece que o amor dá trabalho, né?
Sim, e talvez seja por isso que a gente fuja dele, consciente ou não desse comportamento. Porque o amor mexe com a gente. Se não mexesse, será que ele seria algo tão bom? O tema de músicas, poesias, filmes há milhares de anos?
Será que a gente foge do amor porque além dele ser demandante às vezes não entrega o que achamos que precisamos?
Vou me despedir hoje com mais uma frase do livro que ficou marcada aqui:
“Se, durante a maior parte da nossa vida, não fomos guiados no caminho do amor, geralmente não saberemos como começar a amar, o que deveríamos fazer e como deveríamos agir.”
Talvez por isso seja tão difícil definir o que é o amor.
~ Compartilhados do mês
Vou deixar só dois conteúdos dessa vez, ambos relacionados ao assunto dessa news - além do livro da bell hooks. Eu sei que esse livro já é mais “antigo”, mas eu só me senti pronta para lê-lo agora. Alguns livros fazem isso com a gente, exigem que a gente crie espaço para eles serem degustados e absorvidos :)
~ Sim, vou começar com um k-drama que as dorameiras ativas já devem ter visto. Ele foi até motivo para um shopping em São Luís (Maranhão) exibir o season finale, onde mais de mil pessoas puderam chorar juntas. Até Alcione aceitou fazer propaganda dessa série, o que me fez gritar enquanto assistia ao vídeo. Se isso não é soft power não sei o que é.
Estou falando de “se a vida te der tangerinas” (Netflix). Eu poderia analisar tantas coisas dessa série, mas vou comentar dois pontos que me marcaram: a relação da protagonista com mãe e filha + com o marido.
Eu nunca tinha visto uma novela coreana onde o boy se comporta como o personagem do Park Bo-gum e essa é com certeza uma das razões que fez as pessoas amarem tanto essa novela: como o personagem demonstrava amor e cuidado.
Por outro lado, eu chorei mesmo foi nas cenas entre mãe e filha. Pqp. Como o cinema e as séries investem pouco em histórias de amor entre mães e filhas. Eu não consigo lembrar de nenhuma para citar - mas isso pode ser minha memória falhando, também.
Se você quiser algo leve, emocionante, reflexivo e engraçado, recomendo, e Alcione, também, esse k-drama.
~ Eu tava em dúvida do que escrever na news deste mês e ouvindo o ep. do Imposturas Filosóficas chamado amizades marginais, entendi que poderia me arriscar um pouco a falar sobre o amor.
Nesse ep, os Rafaéis focam mais na amizade e fiquei pensando muito sobre a ideia de que a melhor amiga não existe. O que a Gabi, convidada do ep. trouxe foi:
“Viver o ideal do eleito é mais cruel que a do ideal, porque o eleito só pode ser um e o ideal podem ser múltiplos.” 🤯
Não vou conseguir desenvolver ainda tudo que essa frase me fez pensar, especialmente por termos essa ideia cultural de que precisamos escolher A pessoa, aquela que será nossa melhor amiga, nosso grande amor.. sempre 1, nunca uma rede.
Por isso, o Rafael Trindade complementa com a sua definição cirúrgica do que é monogamia: “o cerceamento geral de sociabilidade”🤯🤯.
Se essa news tocou em algum pontinho seu, seja de reflexão, memória ou vontade de falar mais, me manda um alô por aqui. Vou adorar seguir a conversa :)
gabi, que texto lindo!!!! amo o pensamento da bell hooks, e me vi muito conectada com o livro porque tento ativamente me deixar levar pelo amor nas suas infinitas formas, e não me apegar ao amor romântico como única via de expressão. ao longo do tempo, fica mais óbvio e natural, mas até lá é uma ação prática que precisa de consciência