Uma das minhas news do ano passado falou de um sonho que eu escondia meio por vergonha, meio pela certeza de que ele não se realizaria.
Quem me lembrou desse sonho foi a minha mãe, quando, durante um telefonema para contar as novidades do meu novo trabalho, recordou do tanto que a minha eu adolescente falava que queria duas coisas: trabalhar na ABIN (porque eu assistia muito as Três Espiãs Demais) e viajar a trabalho (talvez por influência, também, do tanto que elas viajavam para salvar o mundo com seus disfarces de espiãs).
Mesmo com a previsão de eu ter algumas viagens nacionais a trabalho, eu nem sonhava com a possibilidade disso acontecer a nível internacional.
Por muitas razões que agora só me vem duas: meu inglês é bem mediano e eu estou há poucos meses nesse trabalho, o que na minha cabeça já me tiraria de todas as possibilidades de representar a instituição em outros países.
Desde que fui promovida a coordenadora de projetos, percebi que o inglês faria muito parte da minha rotina e decidi que na virada do ano começaria aulas particulares. Quanto aos meus poucos meses nesse emprego, fui aos poucos lembrando que eu poderia saber pouco sobre segurança viária, mas que eu sabia muito sobre gestão de projetos e resolução de problemas. Mesmo me sentindo insegura, eu não chegava de mãos abanando.
Agora eu digo tudo isso em tom confiante. Mas fiquei um tempo debatendo internamente com a minha insegurança se eu deveria investir nas aulas de inglês ou se não tinha alguém melhor do que eu no time para fazer essas viagens.
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Começo 2025 enfrentando novas facetas das minhas inseguranças e conquistando sonhos que eu nem sabia serem possíveis: participei de duas conferências internacionais sobre segurança viária no Marrocos.
Ir para a África era algo que passava na minha cabeça só depois que eu conhecesse outros países. Então, quando recebi a notícia de que tinha conseguido a bolsa que cobria todos os custos para realizar a viagem, não tive tempo de entender todas as emoções que estavam em mim.
Até hoje não entendo tudo que aconteceu nesses 15 dias de Marrocos, mas duas coisas persistiram na minha mente:
1. quando a gente percebe que precisa se desenvolver em algo, seja fazer inglês, um curso, comprar um livro, a gente deve se dedicar àquilo. A nossa insegurança, medo, baixa autoestima podem querer nos puxar para o caminho oposto e acho importante entender quando é isso tudo que está tentando nos manter onde estamos e quando são outros fatores mais difíceis de controlar como tempo, dinheiro, disponibilidade mental. E, também, quando é isso tudo nos segurando no lugar e a gente ainda assim dá um jeito de conseguir se dedicar àquilo que pode nos aproximar dos nossos sonhos e objetivos.
Voltei dessa viagem pensando muito em como algumas oportunidades aparecem para testar a nossa segurança e poder tirar alguns medos do meio do caminho pode tornar as decisões e experiências um pouco menos sofridas.
2. aparentemente, as pessoas nascidas no Brasil tem ciúmes que extrapolam as relações amorosas. Elas vão para amigas, familiares, todas as formas de relações que podemos construir.
Quero conversar hoje mais sobre esse segundo ponto, do ciúmes.
Eu estava na casa da amiga de uma amiga, em Rabat (capital do Marrocos), quando ela me contou que depois de conhecer diversos países, criar sua filha nos 20 anos que morou no Brasil, constatou que tem uma coisa que só temos por aqui: ciúmes de diferentes formas de relacionamento.
Na hora que ela me disse isso eu entendi tudo. Eu fui até ontem a adolescente ciumenta que não sabia lidar com o fato de uma amiga não te chamar pra um rolê. Que ficava chateada quando meu irmão ganhava o maior pedaço de bolo da minha mãe.
Começamos a conversar mais sobre isso e ela disse que pesquisou muito sobre o assunto, mas que não encontrou ninguém que falasse sobre isso por aqui. Ela deu um exemplo de quando a sua filha tinha 2 anos e a babá comentou com a criança: “você não tem ciúmes que o seu amigo está brincando com outra criança e não com você?”
Para ela esse comentário foi completamente absurdo. E escutando ela contando a história concordei, ao mesmo tempo em que pensava em como deveria ter sido a minha educação em torno desse assunto.
Eu até hoje tenho ciúmes de amigas, do meu irmão, de familiares distantes que eu não me importo. Não é um sentimento que faz sentido. Ele brota das profundezas do meu inconsciente e tem uma voz quase esganiçada que só consegue pensar em como a vida é injusta. Em como eu não recebo todo o amor que eu preciso e o distribuo de forma quebradiça, como se fosse algo pequeno.
Conversando com outras amigas que também tem irmãos - aqui especificamente, pessoas que se identificam com o sexo oposto ao seu -, percebo que essa competitividade aparece bastante. Não sei se é porque fomos socializados em plena globalização, se isso era uma forma da gente crescer sendo menos banana e posicionar os nossos desejos..
Se essas eram as intenções, elas deram errado.
Eu acho, inclusive, que ficar o tempo inteiro entendendo se você está perdendo ou ganhando em uma relação, além de exaustivo, é completamente desconectado com os nossos desejos.
Vou dar um exemplo simples. Sabe quando você cresce com irmãos e aprende que tem que dividir tudo? Para os pais deve parecer lindo ver os filhos compartilhando, mas no fundo a gente cresce com o olhar treinado para ninguém receber o maior pedaço de pizza, se não vai dar briga.
No futuro, a gente não se pergunta ou questiona a outra pessoa se ela gostaria de um pedaço de pizza maior. A gente segue dividindo as azeitonas no meio, partindo da ideia de que essa é a única opção possível: todos querem a pizza igualmente dividida.
E eu consigo pensar em como isso se cruza com outros comportamentos que nós temos. Como nos relacionamos com a comida, porque se tu chega em casa e precisa dividir tudo, tu também precisa comer tudo que foi compartilhado. Ou comer escondido aquilo que não quer dividir com ninguém.
Consigo cruzar com a nossa dificuldade em decepcionar os outros, de parecermos desagradáveis. Pior, de parecermos egoístas!
Imagina você parecer egoísta. Uma pessoa que não divide as coisas, que quer tudo para si.
Eu adoro esse delírio, como se fosse fácil para mulheres terem esse tipo de comportamento quando muitas delas foram cotidianamente condicionadas a pensar no coletivo. Colocar os outros em primeiro lugar e não a si mesmas.
Entendo que um dos nossos superpoderes é a habilidade de coletivizar, de pensar para além das nossas necessidades. Mas o que acontece quando a gente não sabe pensar no próprio umbigo?
Seria esse estímulo pra gente se comparar, desejar o que o outro tem, um “projeto” pra não focarmos em nós mesmas e continuar priorizando os desejos dos outros?
Não faço ideia. Tenho medo de saber e raiva só de pensar.
~ Compartilhados do mês
~ Estou lendo um livro muitoo legal!! Da mesma escritora de Circe - que eu também super recomendo para quem gosta de fantasias mitológicas, A Canção de Aquiles conta a história do semideus e da relação que ele tem com um jovem que é criado pelo seu pai depois de ser expulso da família.
Depois de ver Troia que, pasmem, é de 2004, eu não imaginava que Aquiles pudesse ser outra coisa que não a personificação do homem hétero. Estou amando essa perspectiva do semideus como um homem gay, que consegue ser doce e demonstrar o carinho que sente por Pátroclo, mesmo vivendo sob a profecia de ambos morrerem jovens.
~ E pra fechar as refs, queria dizer mais uma vez o quanto eu adoro o Teledipity. Eu assino a versão gratuita da newsletter há anos, levo ela mais ou menos a sério, mas para esse ano - junto com a minha revolução solar -, está me ajudando muito a ser mais focada nos meus objetivos.
Começo o ano (agora) com algumas ideias mais bem desenhadas. Fui dando tempo para os caminhos irem se revelando, com menos controle e mais coração aberto.
Se não estiver afim de assinar mais uma news, fica o meu desejo para que você também consiga caminhar para esse novo ano com um balanço entre coração, corpo e mente ❤️