Eu levei tantos tombos esse ano que aprendi novas formas de cair. Se somar 2023 e 2024 eu chutaria que chorei mais nesses dois anos do que nos dez anteriores. Sem mentira.
Pode haver aqui uma influência no fato de que eu “aprendi” a chorar em público, ou seja, não reservo mais as lágrimas apenas a espaços escondidos e seguros. Pode ser que as emoções que se apresentaram eram tão grandes que eu não queria mais usar as minhas estratégias de controle. Pode ser, também, que eu só queria chorar mesmo.
Assim como eu era a pessoa que não chorava, tinham várias outras coisas que eu acreditava serem balizadores de quem eu era. Algumas boas, mas infelizmente muitas ruins. Eu achava que sabia tudo (ou quase tudo) que era bom pra mim: os perfis de pessoas que eu tinha maior facilidade em me relacionar, o que eu queria da minha rotina, quais eram as minhas áreas de atuação profissional, como eu deveria me alimentar para me sentir bem.
Eu tinha prometido que não iria falar sobre isso fora do meu círculo de amigas, mas todas as vezes que conversei sobre isso foi tão libertador. Acho que posso confiar que você não vai me julgar (muito), né?
Eu, Gabriela, defendo o home office há 10 anos. Eu estudo sobre relações de trabalho contemporâneo, gestão do tempo e rotinas há 10 anos. Eu trabalho de casa há 10 anos e em 2024 eu entendi que grande parte da minha sensação de solidão vinha de estar muito em casa.
🫠
Eu criei um projeto chamado Sozinha Não, então a solidão sempre esteve ali. Zero surpresas. Eu sei que a solidão tem muitas caras, que ela vai metamorfoseando com o tempo e mesmo tendo esse conhecimento eu não queria mexer nessa caixinha: a do home office.
Eu escrevi uma news só sobre a sofrência de precisar abrir mão disso tudo para começar um trabalho híbrido. Eu fiquei metade de um encontro com a comunidade do Sozinha Não chorando as pitangas de que trabalho híbrido não fazia sentido nenhum com o que eu acreditava.
Cinco meses depois dessa transição profissional, respondo um convite de uma amiga (que nunca desistiu de mim, obrigada Ju <3), para irmos trabalhar em algum café juntas, dizendo que percebi que eu não gosto de sair de casa para trabalhar, porque eu produzo menos.
Pausa para uma reflexão óbvia: a pessoa tem uma tendência a se sentir sozinha e quando tem a possibilidade de sair de casa para trabalhar, ver outras pessoas, sentar em outras cadeiras, beber outros cafés, ela ESCOLHE ficar em casa porque PREFERE produzir mais e melhor.
Eu tinha combinado comigo mesma que não ia falar sobre capitalismo nessa news, mas ele está em tudo. Nesse dia da mensagem, percebi que uma das razões de eu me sentir sozinha foram as muitas vezes que eu optei por caminhos que beneficiassem mais a minha produtividade do que a convivência com outras pessoas.
Eu entendo que tem momentos que precisamos sentar a bunda e trabalhar sem distrações, mas em outros a gente só não quer fazer diferente, ou melhor: está tão acostumada a fazer de um jeito que não percebe que é essa rotina que nos afasta do que precisamos.
Quando a gente vai começar a dizer sim para o que faz bem pra nós e não para o nosso trabalho, apenas?
Quando vamos deixar de ser um corpo que só trabalha para ser um corpo que também vive?
Eu queria poder dizer que é agora que isso vai mudar, mas não seria verdade. Esse tipo de mudança de comportamento é um vai e vem, é em passinho de siri: um pra frente, dois pra trás. É percebendo só depois que disse não que, na verdade, queria muito ter dito sim.
A diferença é que esse ‘não’ pode começar a vir acompanhado de: não agora, mas não desiste de me convidar, promete? Eu preciso desses momentos e convites tanto quanto eu preciso conseguir focar sentada na minha cadeira com apoio para os pés.
Se eu prometer que vou tentar, você promete que não vai desistir de continuar buscando junto comigo, momentos em que haja tanta vida quanto trabalho no seu dia?
~ Compartilhados do mês
~ “‘Ser racional’ é outro jeito de dizer ‘ser capital’. A resposta não está no desenvolvimento, está na imaginação”. Um dos melhores eps. do Imposturas Filosóficas que eu ouvi esse ano: a luz no fim do túnel é o trem | a irracionalidade do capital.
~ Qual é o preço de tentar ser sempre coerente? Ep. do É nóia minha: sou coadjuvante.
~ “O brasileiro é a população que fica mais tempo no Instagram no mundo e está revolucionando o uso da plataforma vinculada ao trabalho. Existem aproximadamente 25 milhões de influenciadores no Brasil e por trás dessa galera há toda uma força de trabalho dos conhecidos “marketers digitais”, pessoas que promovem e vendem infoprodutos e produtos físicos em diferentes ecommerces.”
Trechinho da entrevista com a incrível Rosana Pinheiro Machado para o Café da Manhã: coaches, empreendedores digitais e a política.
~ Se você não quiser/ puder ouvir os conteúdos anteriores, quero sugerir só um para você assistir: essa entrevista com a Marilena Chaui para a TV Brasil. A Marilena é professora emérita da USP, filósofa e especialista em Espinosa. Um trechinho do que ela diz:
“Vivemos em completa servidão. Temos a ilusão de termos liberdade, mas o que vivemos é um estado de completa dependência, insegurança e, portanto, de completa servidão.”
Se quiser ver só um trechinho da entrevista dela, sugiro esse aqui.
Me identifiquei muito com a frase: 'Hoje não posso, mas não desiste de me convidar, tá?'. Quando trabalhava em home office, perdi a conta das vezes em que preferi ficar na mesma cadeira, em vez de sair para ver outras pessoas ou ir a outros cafés, tudo para tentar ser mais produtiva (?!)