Esses dias meu namorado falou que eu faço as compras mais aleatórias online, depois de receber um pacote do brinquedo Lego aqui em casa. Eu me defendi dizendo que eu compro coisas úteis - o que é em parte verdade, porque aprendi a achar qualquer coisa que eu preciso no Mercado Livre. Por mais específica que ela seja. Também porque meu trabalho me permite inventar bastante e de tempos em tempos aparece por aqui um pacote de gesso para testar algo diferente ou bisnagas plásticas de shampoo se decido organizar a bagunça que são as minhas tintas no ateliê.
Mas quanto ao Lego, não posso dizer que era algo realmente necessário... Era uma vontade que circulava pra lá e pra cá nas minhas pesquisas no google nos últimos meses, sabendo muito bem que se tratava de algo absolutamente supérfluo - salva pra ser adquirida como um luxo, um presente pra mim mesma, assim que entrasse uma graninha extra.
Semana passada realizei minha tão desejada compra. Como tudo que se compra online aqui em São Paulo, chegou em menos de 24h e foi nesse dia mesmo que eu saí saltitante pela casa, radiante com a minha escolha consumista, como há muito não me sentia.
Fazia muito tempo que eu não comprava um brinquedo.
A gente vai amadurecendo e passa a se preocupar com as contas, com o que precisamos arrumar na casa, com uma roupa que está na hora de trocar, com adquirir coisas que vão melhorar nosso desempenho no trabalho. Também compramos pra estarmos melhor diante dos olhos dos outros, nem sempre certos dos nossos próprios desejos. Mas tudo precisa ser útil, né? Chega um momento da vida que tudo precisa ser racionalmente justificável. Nesse ponto acho que meu texto está bem próximo da última newsletter que a Gabi Teló enviou por aqui.
De modo geral, nossa vida gira em torno de sermos pessoas produtivas e úteis para a sociedade, o que é muito maravilhoso e tudo mais, mas também é um saco. Não temos argumentos para defender interesses aleatórios, curiosidades despretensiosas, infantis até. Nossa infância segue morrendo, aos poucos, dentro da gente.
Tenho me interessado muito por esse assunto, tenho prestado atenção no que existe ainda de criança em mim. Montar o Lego, por exemplo, me pareceu absolutamente tentador. Claro que escolhi um objeto bonito, mas o que mais me intrigava era justamente a ideia de ter essa experiência: passar o tempo montando um brinquedo, seguindo as instruções passo a passo, como algo que gostava de fazer na infância. Me parecia tranquilizador. Comprei peças que formam um buquê de flores e até agora montei 30%, porque tenho tentado me demorar ao máximo, quero prolongar a experiência.
Não quero que a brincadeira termine.
As 5 flores que estão prontas sorriem pra mim, arrumadas em um vaso, do lado do meu computador. É quase como se elas fizessem um pouco de graça nessa mesa, desmerecendo as “coisas importantes” que eu faço enquanto trabalho. Elas me olham desconfiadas, me lembram de outras camadas de quem eu sou, e, quando eu fico tensa ou ansiosa demais, elas sussurram: “tu tem um brinquedo em cima da tua mesa, tu usa uma camiseta do Naruto pra dormir, então, por favor, não se leva a tão a sério”.
O que me faz pensar, no contrapé desse assunto, que, diferente do que a gente pensa, brincar é muito importante. Visitar os meus pais no início desse mês me trouxe uma consciência mais pungente disso. Talvez foi essa visita que me fez comprar o Lego, no fim das contas. Tenho acompanhado os anos passando na vida dos meus pais, tenho observado eles envelhecerem com um aperto no peito. Embora eles estejam bem e sejam ativos, conforme a idade vai chegando os compromissos diminuem e o trabalho - que consumia uma parcela gigante da vida de ambos (como da maioria de sua geração) - vai ficando em um segundo lugar, suas atividades vão sendo gradualmente assumidas por outras pessoas. Vejo que, na melhor das hipóteses, quando se envelhece com segurança financeira como é o caso dos meus pais, ainda é preciso reaprender a viver. Como lidar com essa sorrateira sensação de inutilidade?
É uma expressão difícil de engolir, eu sei, mas é algo que eventualmente vai confrontar cada de um nós, porque aprendemos que o nosso valor é dado pelas coisas que produzimos, pela atividade que nos foi entregue dentro de uma grande engrenagem. Se isso nos é retirado, o que nos move, o que nos interessa? Conseguimos nos entreter com outras coisas além do nosso trabalho?
Pode parecer absurdo para alguns - mas noto que essa questão é bem complicada para outros.
Não sei se faz sentido, mas todo esse raciocínio me levou de volta à brincadeira. Meus pais têm jogado carta juntos, no final do dia, e me parece uma das coisas mais saudáveis que fazem por si mesmos. E eu tenho olhado com carinho pra tudo que faço por puro prazer: coisas que me remetem à infância, que não vão me tornar mais produtiva, mais bem sucedida ou mais inteligente. Não negligencio os desejos da criança dentro de mim. Quero perder um pouco do meu tempo, porque assim posso desfrutar dele melhor, no longo prazo.
Não sei se faz sentido para os outros, mas as minhas flores de Lego com certeza estão satisfeitas.
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Eu ando totalmente desatualizada! O que não é lá nenhuma novidade. Vou procurar por coisas legais para compartilhar com vocês em Junho. Até lá, aceito dicas por aqui.