É o processo que dá medo
Tem algumas coisas que com o andar da vida vamos deixando de lado. Aos pouquinhos, a ideia vai ocupando o espaço de uma ervilha na nossa cabeça, soando menos insistente nos momentos de reflexão, mas nunca desaparecendo completamente.
A ervilha que ocupa há anos o meu cérebro é fazer ou não mestrado.
Sempre me entendi como uma pessoa fazedora, alguém que tem um pouco de dificuldade em respeitar autoridades e que não é a melhor respeitadora de regras que parecem sem sentido. Por muito tempo me vi como uma pessoa “contracultura”, que gostava de conhecer os padrões para fazer o exato oposto. Alguém disposta a passar anos tentando fazer as coisas “do meu jeito”, pra depois descobrir que o caminho escolhido não estava me aproximando e sim, afastando dos objetivos.
Uma pessoa com essa descrição, pelo o que ouço dizer, não se adapta muito bem a academia.
Alguns desses pontos podem ser reflexo de eu ser millennial. Mais uma iludida com a crença de que através do esforço chegaria longe e que questionar era preciso.
Porém, não é só o ano em que nasci que formam esses pensamentos. Estar na academia bate diretamente com uma das minhas maiores inseguranças: que eu só finjo ser inteligente. Na realidade, sou extremamente mediana.
Aqui eu poderia usar de novo a carta da millennial que queria ser especial e descobriu que era só mais uma areiazinha no deserto. Esse pensamento pode ser ao mesmo tempo reconfortante e aterrorizante. A gente tem mesmo estrutura emocional pra ser algo além de nós mesmas? E por que deveríamos tentar ser mais se só existir já é tão desafiador?
Voltando ao mestrado, se eu pudesse dividir em porcentagens, a sensação que eu tenho hoje é de que tenho 50% de chances de conseguir passar no processo seletivo. 8 anos atrás, quando eu flertei mais seriamente com essa ideia, as chances eram de 20%, então posso dizer que houve um avanço.
Quanto mais eu penso sobre o assunto, converso com amigas e pessoas próximas que já passaram por esse desafio, compreendo mais que o mestrado é sobre processo.
E esse processo pode envolver tu pesquisar cursos, universidades, linhas de pesquisa, professores, bibliografia, temas mais ou menos pesquisados, assuntos de interesse..
O caminho para chegar em algumas respostas são os mais variados: você pode se tornar aluna especial em algumas cadeiras e ver como se sente de volta a universidade, pode pesquisar livros e começar a ler as bibliografias introdutórias, pode tentar marcar um café com uma possível orientadora e ver se ela te convence a não desistir.
Você também pode não fritar tanto a cabeça e se preparar para a prova ou escrever seu projeto. Confiar que estará fazendo o seu melhor nesse momento, mesmo que ele possa não ser o bastante.
Conforme vou escrevendo essa frase me dou conta que eu não acredito em nada do que ela diz. Como assim não pensar em tudo que pode dar certo e errado e tentar se preparar para cada um dos possíveis cenários?
Nessas horas não sei se a minha ansiedade me ajuda ou me atrapalha. Eu sou uma pessoa que valoriza os processos, mas eu preciso do mínimo de norte. Da sensação de que estou indo por um caminho que faça sentido. No caso do mestrado, sinto que todos os caminhos me levam até o fracasso.
Ah, mas se é tudo sobre o processo, tu vai aprender muito sobre ti mesma passando por todas as etapas, mesmo se falhar. Mas é que eu tô meio cansada de falhar. Não quero estar mais confortável com a infelicidade do que com a felicidade.
A essa altura, a única resposta possível parece ser: experimenta. Se coloca em modo de teste, ouve a tua impostora dizendo o tempo todo que não vale a pena gastar tanto tempo lendo porque tu não vai passar mesmo e deixa ela falando sozinha.
Talvez até o fim disso tudo você realmente aprenda alguma coisa. Ficando onde está é que não vai mudar nada.
Tem aquela frase clichê que diz “se sentir medo, vai com medo mesmo”. O difícil não é lidar com o medo, é com o desconforto que vem junto dele te dizendo de diferentes formas que tu não deveria nem tentar.
De desconforto eu entendo. Bora tentar algo diferente dessa vez :)
~ Compartilhados do mês
~ Voltei há umas semanas do maior São João do mundo - autodeclarado pela prefeitura de Campina Grande -, e só consigo ouvir o álbum Dominguinho, de João Gomes, Mestrinho e Jota Pê. Quando não estou ouvindo, estou pensando de onde vou tirar energia pra fazer aula de forró em um domingo de tarde, no bar que descobri que tem essa atração em Porto Alegre.
Se derreta comigo com esses perfeitos <3
~ Estou terminando de ler meu segundo livro de Octavia Butler e depois de passar dois meses só lendo livros coreanos de healing fiction, pensei que fosse desistir antes da metade.
É tanta pedrada em formato de distopia que essa mulher escreve, que antes de ler algumas páginas preciso de pelo menos um k-drama pra não ficar ainda mais desacreditada no futuro.
A Parábola do Semeador fala de um futuro distópico que acontece de 2025 a 2027 nos EUA, um país que vive de muros internos. Tudo é caro, especialmente comida, água e roupas e é muito difícil conseguir trabalho que pague em dinheiro. Do lado de fora dos muros, pessoas em situação de rua fazem de tudo para sobreviver: se drogam, matam, roubam e incendeiam comunidades muradas de pessoas que tem mais que eles.
No meio disso tudo, vive Lauren, uma jovem filha de pastor que não acredita na religião do pai e começa a criar o que para ela seria um caminho mais humano e comunitário.
Acho perturbador como é mais fácil acreditarmos em distopias do que em utopias, porém sinto que elas me deixam ainda mais desperta para a realidade.
~ Estou ouvindo os novos episódio do Mano a Mano e o último, com Wilson Barbosa e Jones Manoel, é uma aula de 3 horas e meia sobre comunismo, socialismo e fascismo. Me lembrei de Rita Von Hunty em vários momentos e conectei alguns dos pontos que eles trouxeram com o livro da Octavia que estou lendo. Fico de novo pensando como é “mais fácil” nos dias de hoje acreditarmos em um futuro de capitalismo selvagem do que de comunismo.
~ Na HBO (Max), estou vendo a série sobre a história do Chaves: aquele com a Bruxa do 71, dona Florinda e Professor Girafales. Estou me divertindo tanto conhecendo mais sobre o que levou o roteirista Roberto Gómez Bolaños a criar dois personagens que foram a base da cultura televisiva da américa latina. Recomendo para as nostálgicas que gostam de biografias :)