Eu tenho um probleminha com a palavra erro. Não gosto muito dela. Meio que fujo - não porque nunca erre, mas porque parece que ela vem sempre acompanhada de julgamentos, tanto nossos quanto dos outros.
Quando começo projetos sempre penso no que pode dar errado, mas o meu lado que acredita que pode ser muito legal se der certo acaba vencendo. Enquanto estou tentando, me conto a narrativa de que é tudo um teste, que eu posso errar, que as coisas não precisam estar todas perfeitas, que ninguém vai saber que eu não fiz o meu máximo todos os dias.
Só que na prática não é bem assim. Na vida real eu não encontro muito espaço para o erro. Ele não só não é bem visto como parece que tem sempre uma chance de tu ficar conhecida como a pessoa que errou. Ou pior: a tua cabeça pode nunca te deixar esquecer das coisas que tu entregou e não deu o teu melhor.
Quanto mais eu penso sobre errar mais eu conecto com como pessoas com vulva são socializadas a serem perfeitas. Aprendemos que tanto nós quanto tudo que a gente faz precisa ter sempre um brilhinho extra. Perfeccionismo é visto como uma qualidade e controle como algo necessário, mas perigoso em excesso.
Eu lembro que durante a minha infância e adolescência uma das minhas tarefas de almoço de domingo em família era arrumar a mesa. Contar em quantos estávamos, juntar pratos, talheres, copos e guardanapos, dobrar estes para ficarem embaixo do prato do lado direito com os talheres em cima.
Minha mãe ficava sempre meio por perto, observando, sinalizando o que eu tinha esquecido, me questionando - até hoje - porque eu não dobrei o guardanapo e só coloquei ele embaixo dos talheres, fazendo diferente do jeito dela.
Na minha visão, na hora de comer pouco importa como está o guardanapo: a gente só quer ter ele perto quando for usar. Por que faz tanta diferença se ele está inteiro ou dobrado? Há quem acredite que a apresentação é tudo, e eu entendo, concordo às vezes, mas ela precisa ser perfeita todos os domingos? Não pode ter um dia que simplesmente se deixe os guardanapos no centro da mesa e pega quem quer?
Além disso tudo, eu nunca vi nenhum dos meus primos arrumando a mesa. Eu era a única neta e via eles ao redor da churrasqueira cortando salsichão, comendo e passando pras pessoas, no melhor dos casos. No pior dos casos, eles estavam só conversando mesmo. Parecendo ocupados pra não precisarem fazer nada.
Hoje, na minha casa, eu gosto de arrumar a mesa de vez em quando. Em momentos especiais, para receber pessoas que eu gosto ou para eu me sentar e ver a beleza de uma mesa bem posta. Eu não faço isso todos os domingos, mas entendo o valor que esse cuidado transparece.
O ponto que eu fico me questionando é sobre todas as outras atividades que a gente faz e são consideradas detalhistas sem se dar conta. Do tempo que perdemos em coisas que a gente acha que os outros vão ver valor. E mesmo sendo tudo lindo, pensado para fazer sentido em todas as pontas, isso não quer dizer que vai dar certo, que vamos alcançar o nosso objetivo e os outros vão perceber o quanto de energia aquela entrega exigiu.
Olhando para tudo isso, não tenho como deixar de conectar com o empreendedorismo - onde temos uma versão viável do nosso negócio e aquela que realmente vai encantar as pessoas. Nesses casos a gente costuma ouvir a nossa vozinha interior que foi socializada a ser perfeita dizendo ‘se esforça mais um pouquinho, você sabe que pode fazer mais.’
Mesmo que você não tenha testado, que não tenha nenhuma garantia de que o seu negócio vai dar certo, o mínimo que você pode fazer é fazer tudo. É garantir que todas as pontas estejam cobertas com excelência. Se no final não der certo, deve ter alguma coisa que você deixou passar. Mas lembre-se: é melhor você estimular o seu lado perfeccionista e não o controlador. Ninguém gosta de pessoas controladoras e atenção aos detalhes nunca é demais.
Será? Quando a gente dedica tudo que tem a sonhos e negócios que não alcançam os objetivos estabelecidos, de quem é a culpa? É de quem empreendeu e caiu no conto neoliberal meritocrático de que era só se esforçar muito que ia dar tudo certo? É do mercado que vê mais valor em lideranças que representam um padrão, tem as conexões ‘certas’ e o lucro como um destino que justifica os meios? Ou é da nossa relação com o trabalho, que espera que a gente consiga usar melhor o tempo que gastamos nessa área da vida com alguma atividade que nos faça sentir menos mal ao acordar de manhã?
Não tenho respostas para essas perguntas, não sei nem se algo ou alguém pode ser responsabilizado, mas estar estudando um filósofo que valoriza os encontros anda me fazendo colocar outros pesos nas coisas - especialmente no trabalho.
Espinosa viveu em Amsterdã no século XVII. Ele tem uma linguagem super própria, com interpretações geométricas de como entender a razão dos afetos. E aqui já antecipo que ele entendia um pouco diferente essas duas palavras, mas não me arriscarei a explicar. O que vou compartilhar a partir do que aprendi é a perspectiva dele sobre perfeição.
Espinosa entende que todo mundo nasce dentro da servidão, em ignorância, sendo levado pra lá e pra cá por influências externas sem saber muito bem a importância do conhecimento sobre si em relação ao mundo. Mas mesmo estando em servidão, todas as pessoas são perfeitas. Nesse caso, perfeito vem de perfazer, da ideia de que quem faz um caminho com início, meio e fim, ao olhar para a sua obra acabada e dizer ‘eu terminei, estou satisfeita’, tem um caminho perfeito, um caminho que foi cumprido como tinha que ser.
Em outras palavras, mesmo a gente correndo, ouvindo a voz da nossa autocrítica todos os dias e ficando em dúvida se estamos fazendo as coisas direito, para Espinosa, se você termina o dia olhando para o que passou e percebe que entregou o que podia, que fez o seu máximo, você foi perfeita.
Você foi perfeita, também, segundo Espinosa, se conseguiu determinar quando estava pronto o seu trabalho, quando a entrega era suficiente a partir da sua medida e não do que os outros esperavam de ti. Eu adicionaria ainda que o resultado é perfeito quando a gente consegue lembrar das escolhas, percalços e trajetórias que nos possibilitaram fechar o dia com as entregas que fizemos.
Esse tipo de perfeição me parece muito mais interessante do que aquela em que os guardanapos estão dobrados embaixo dos pratos todos os domingos. Onde a gente liga um botãozinho e começa a escanear tudo que poderia ser melhor, tanto na gente quanto nos nossos projetos.
E não me entenda mal: acho importante a gente continuar se descobrindo, aprendendo novas formas de fazer, mas é diferente quando a medida vem de fora e não de dentro - ou vem de dentro, mas com os parâmetros do que ouvimos a vida inteira.
Estudando e me conhecendo em relação ao mundo, espero poder olhar para as mesas que estiverem na minha frente sabendo por que estou ali. Lembrando o caminho que “perfiz” e colocando um pouco de lado as medidas e expectativas dos outros. Desejo considerar perfeito o que for suficiente hoje. O amanhã terá outra eu perfeita para encará-lo.
Faz um tempo que eu venho pensando sobre empreender com negócios possíveis, aqueles que respeitam a nossa trajetória, sentimentos e tempo. Pensando nisso, me juntei a Cora Design e criamos uma consultoria focada em empreendedoras que querem pensar juntas em soluções para problemas de comunicação e negócios, tipo: lançar um novo produto ou serviço, reposicionar uma marca, tirar um projeto do papel, melhorar as vendas online..
O nome desse projeto é Limonada e eu não poderia contar em primeira mão sobre essa novidade em outro lugar. Estou super empolgada só de imaginar tudo que a gente pode fazer juntando os limões que cada uma tem para fazer a melhor limonada possível agora <3
| Compartilhados do mês
~ Comentei no início do texto sobre meu trabalho com pesquisa de mercado. No último ano eu participei de um projeto super legal pensado para a primeira infância. Criei uma metodologia de pesquisa para ouvir os seguidores do projeto e entender como os conteúdos estavam mudando hábitos quanto ao cuidado com as crianças. Se você gosta de alguns desses assuntos, pode ler aqui o case do Nelson, o Nenê.
~ O último ‘É Nóia Minha’ fala um pouco sobre a busca constante por perfeição, que eu comentei um pouco no meu texto. Pra quem quiser seguir nesse assunto, ouve aqui.
~ Tem um Ted Talk da Brené Brown incrível que fala sobre vergonha, assunto que se cruza muito com os erros e com como é difícil lidar com a vergonha que vem acompanhada dele. É um daqueles teds que a gente precisa ver várias vezes pra conseguir absorver tudo.
~ Li Sula, da Toni Morrison, uma escritora que fazia tempo que eu queria me aproximar. Senti várias coisas lendo esse livro de 1973, que se passa nos Estados Unidades de 1920 a 1960. O que mais me chamou atenção foi a importância da amizade entre mulheres em contextos de miséria, racismo e machismo. Em como a vida das mulheres é pré determinada no convívio familiar-comunitário e, quando ela não atinge as expectativas ou tenta se comportar “mais como um homem”, ou seja, ser livre, ela é considerada um mal que precisa ser extinto.
Tem uma pergunta que a avó de Sula faz pra ela em um momento na história. Ela quer saber porque a protagonista não se casa e tem filhos, como todo mundo. Sula responde: “eu não quero fazer gente, eu quero me fazer”.
~ Também li Samarcanda, do escritor libano-francês Amin Maalouf. Eu gosto de ficções históricas por ser um jeito muito interessante de conhecer o passado. Esse livro tem como norte como foi escrito e o que aconteceu com o Rubaiyat, livro com poemas de 4 versos, escrito pelo filósofo, médico, astrônomo e matemático Omar Khayyam, que viveu na Pérsia (Irã), no período de 1048 a 1131. Mas o livro de Maalouf não fala só sobre a história de Khayyam, seu contexto histórico e como política e sociedade se organizavam no Irã do século XI. Ele trás fofocas, traições, jogos de poder, guerras e o que costumava acontecer com pessoas que se baseavam mais na ciência do que nas crenças religiosas.
~ Assisti uma mini-série japonesa que achei muito legal. Consumidas pelo Fogo (Netflix), conta a história da busca por vingança de uma jovem adulta que, após ver sua casa misteriosamente pegar fogo e sua vida mudar completamente, começa a procurar pistas de quem realmente cometeu o crime para se vingar. Além da trama central, acho muito interessante como as produções asiáticas vem abordando o tema influência digital e como algumas pessoas conquistam fama apenas por serem ricas.
~ A segunda temporada de DP- Dog Day (Netflix), com o meu ator preferido de k-drama, Jung Hae in, está tão boa quanto a primeira. Essa série conta um pouco sobre como funciona o serviço militar na Coreia, que é obrigatória a todos os homens e que dura dois anos. Ela é bastante violenta, nos faz ver um lado bem sombrio de como a masculinidade tóxica e autoridade destrói homens coreanos, especialmente quanto a saúde mental, assunto polêmico por lá.
~ Séries que eu preciso piratear acabam demorando mais para eu ver e, às vezes, até me esqueço delas. Eu tinha duas temporadas de The Marvelous Mrs. Maisel (Prime Video) pra ver e me deleitei com seus últimos episódios. Que seria mais foda, pelamor da deusa. Ela entrega tudo, bons figurinos, um roteiro absurdo, diálogos muito velozes, humor e um feminismo sutil e ao mesmo tempo cirúrgico. Sem defeitos!
~ Demorei mas cheguei em The Bear (FX). Eu já adorava Jeremy Allen White por causa de Shameless, mas nessa série ele ultrapassa as expectativas. Acho muito curioso como geram interesse esses personagens masculinos complexos, que expõe a sua vulnerabilidade e que não são boys lixos, com seus cabelos bagunçados que tu nunca sabe se é de oleosidade por não lavar ou de estar molhado por ter acabado de tomar banho. The Bear é uma série muito ágil, como costuma ser uma cozinha de restaurante, e traz a dureza e fragilidade da vida a partir da perspectiva de diferentes papéis masculinos. Eu não lembro de ter visto algo parecido antes.
~ Procurando novos podcasts pra ouvir, fui dar uma fuçada nas convidadas que já passaram pelo Quem pode, pod, e não é que encontro Sandy! É a primeira vez que ela grava um podcast e eu amei conhecer mais sobre ela, que me pareceu uma diva muito acessível, mesmo tendo se aposentado aos 24 anos.
Adoraria saber se você já se questionou sobre ser perfeccionista, o espaço que o erro ocupa na sua vida ou até se tem alguma dúvida sobre a Limonada. Você pode me mandar um alô aqui pelo email ou pelos comentários.
Em novembro eu volto :)