Carnaval de uma mulher só*
ou sobre fazer novas escolhas e novos carnavais - por Gabi Stragliotto
Tenho que admitir que nunca fui muito fã do Carnaval. É a primeira frase da primeira newsletter do ano e soa quase como uma confissão, embora não seja essa a ideia. Só nunca tive muito o costume ou a energia extrovertida necessária pra curtir de verdade.
De qualquer forma, acredito que foi por causa dessa minha natureza pouco carnavalesca (a essa altura já evidente entre os meus amigos) que foi pra mim que uma amiga chegou suspirando que estava desanimada com o feriado desse ano. Ela dizia que já não sabia justificar a sensação de estar achando todos os planos tão chatos - não estava afim de fazer nada ou planejar nada com ninguém.
Pra ser sincera, achei a conversa toda um pouco confusa (aqui, com a minha soma de ZERO planos) porque aquilo me parecia totalmente aceitável. Ela só não estava afim, esse ano, de fazer o que sempre fazia. Mas daí me dei conta que pro contexto dela e pro temperamento dela, sua idade, sua roda de amigos, aquilo era muito importante. Ao mesmo tempo que ela aparentava mesmo estar cansada e com outras vontades, ouvia na voz uma certa pressão, ou um f.o.m.o. mal disfarçado, como se realmente tivesse algo errado com ela por não estar tão empolgada quanto o restante do grupo. Como se esperasse de mim, inclusive, uma certa forma de validação, porque eu provavelmente concordaria.
Primeiro pensei que era bem uma questão da idade, ela sendo uns quatro ou cinco anos mais jovem que eu. Como se, com o tempo, a gente vencesse a tendência ou a necessidade de fazer o que todo mundo faz. Depois me dei conta que esse pensamento era muito ingênuo e que as ‘pressões’ podem até mudar de cara mas seguem sempre com a gente.
Pular carnaval parece um exemplo bastante bobo e não tão preciso pro assunto que eu quero puxar, mas ele mostra bem como o nosso dia a dia está constantemente permeado pelos costumes das pessoas a nossa volta. O que se espera ou não de nós aparece mesmo nas questões mais simples: a hora que a gente acorda, a roupa que a gente coloca de manhã, como mantemos nosso cabelo, nossos pelos, nossas preferências alimentares, o que comemos ou não, se bebemos ou não - coisas pequenas que provavelmente não fariam questão a absolutamente ninguém.
Ainda assim, elas são relativamente inofensivas se comparadas a convenções muito maiores sob as quais vivemos, das quais é mais difícil fugir da influência. Embora a questão dela me parecesse bastante simples, eu mesma convivo com o peso de outras. O ano que passou foi muito interessante porque desconstruiu várias ideias e preconceitos que eu carregava, ao mesmo tempo que jogou um balde de agua fria em cima da visão que eu tinha do que era ser bem sucedida ou do que é ser uma mulher adulta admirável - e de como eu achava que chegaria lá (haha) 🤹. Eu devo ter comentado sobre isso em algum texto anterior, mas, em questão de meses, terminei um relacionamento de sete anos, tive que refazer todo meu planejamento profissional, entregar meu apartamento, voltar para minha cidade natal e, mais especificamente, morar novamente na casa dos meus pais. Juro que a Gabriela que saiu de casa com dezessete anos pensando que nunca mais voltaria se revirou indignadíssima dentro de mim. Racionalmente era o melhor a fazer, mas como é inquietante tomar decisões que vão contra aquilo que se espera da gente, não é?
Ou melhor, contra aquilo que a gente mesmo aprendeu a esperar da gente.
Daí que vem a questão principal desse texto: eu me dei conta, desde o final do ano passado e o inicio do novo ano, entre nossa ultima conversa e essa, que contra todas as minhas expectativas e os cenários mais melancólicos que eu criei na minha mente, o ano que passou foi um dos mais especiais. Voltar pra casa dos meus pais foi a melhor coisa que eu fiz. Eu poderia inclusive dizer que profissionalmente foi o ano mais importante da minha carreira até agora, mesmo estando aqui no sítio, no meio do nada - mas é muito mais do que isso. Esse movimento me fez reconectar vínculos familiares que eu talvez considerasse mais ou menos perdidos, me fez entender muitas questões da minha vida emocional e aprender um bocado de coisas. Foi realmente surpreendente.
Tudo vai mudar nos próximos meses mas essa sensação de surpresa tem influenciado como tomo minhas decisões. Não quero seguir sempre as mesmas pré-disposições, desconfio quando tenho resposta pronta pra tudo, desconfio quando fico obcecada com a opinião de uma ou de outra pessoa.
Não quero dizer que a escolha que fiz seria algo legal pra todo mundo, não falo especificamente da minha decisão, mas de como a vida as vezes nos surpreende - questiona e invalida aquilo já está posto como bom ou ruim.
Cheguei a conclusão de que, no fim das contas, vale muito pouco o que todo mundo pensa. Acho curioso que no mesmo período onde as pessoas parecem querer se individualizar ao máximo, ser únicas, originais, sejamos todos ainda tão parecidos. Nas questões realmente importantes, parece mais desafiador pensar por si mesmo. A gente escolhe a melhor roupa, pode até dar uma de artista, mas nem sempre consegue bancar (emocionalmente) viver a vida de um jeito diferente das pessoas à nossa volta. Exige muita confiança e um tanto de teimosia (ou obstinação).
Será que é uma característica inabalável da experiência humana, essa vontade de ser aceita? Através da validação conferida pelos formatos mais tradicionais de sucesso, a exemplo de ter uma carreira de sucesso, ter um relacionamento, casar, ter filhos, fazer uma coisa x no final de semana, uma coisa y no final do ano, a gente vai reforçando valores que nem sempre se alinham com quem a gente é. Inclusive, às vezes penso que vivemos um tempo que valoriza a ambição acima de qualquer outra vontade. Falo isso mesmo sendo particularmente ambiciosa: quero aprender a viver com menos pressa.
Sei lá, talvez seja isso: um desejo de início de ano, nem tão no início assim.
Pra que a gente possa viver de forma mais autêntica, sem pirar muito nessas ideias bastante genéricas que correm por aí como juízos de valor. Avaliar as coisas com o próprio pensamento crítico e, quando der, com a própria experiência.
Nos casos onde a experiência não for possível, fazer da intuição nossa melhor ferramenta. Se deixar surpreender e aprender com o que a vida apresenta, permitindo que ela invalide mesmo, sem dó, tudo aquilo que não faz mais sentido pra gente.
E por último: cada uma pula o próprio Carnaval - como bem desejar 🏝️
Beijo, Gabi S.
*P.S.: mandem um sinal, um alô, uma resposta por email, um comentário, etc. se esse texto fez sentido pra vocês ou se quiserem continuar a conversa.
A gente ama trocar ideias por aqui.
**Imagens da newsletter: @posterjournal; capa da newsletter @8bitstories.
cara que texto importante! fez todo sentido, eu me sinto constantemente uma baita mulher independente, criando meu próprio caminho, e as vezes travo frente a padrões tão “pequenos” aparentemente que me fazem congelar e chorar, e me pergunto pq, a resposta vem logo depois: essa pedra já estava ali enquanto eu construía o jardim por cima dela, e não dá pra tirar com uma colher de jardinagem em 10min. como disse minha psicóloga uma vez, quantos e quantos anos de sociedade e família foram precisos pra construir um padrão que eu penso quebrar em algumas sessões?
amei amei seu texto, me fez refletir muito 💗
Faz mto sentido, Amei o texto