* escrevi um texto no blog contando como cheguei nesse experimento, cruzando com a reflexão sobre desejo sincero x desejo compulsório.
Demonstrar afeto fisicamente sempre foi uma questão pra mim. Acho que começou em casa, sem ter muitos exemplos fora o clássico cumprimento ou abraços de chegada e saída, e se expandiu para a rua, onde eu me sentia muito desconfortável com um abraço mais longo ou um selinho à luz do dia.
Sabendo disso comecei a me questionar se uma parte da solidão que sempre senti não vinha disso. Da falta de abraços para além dos cumprimentos, que às vezes são só uma mãozinha nas costas ou um beijinho de lado.
Entendo que o buraco é mais embaixo, mas fiquei me questionando sobre o que eu poderia fazer agora para me abrir mais para afetos - tanto em casa quanto em público.
O insight para o experimento veio de uma leitura. O Pequeno Manual de Autocuidado para Corpos Esgotados, do Danilo Patzdorf, ficou ecoando em mim depois que ouvi a sua participação no podcast Imposturas Filosóficas.
Ele faz uma belíssima introdução de como chegamos ao atual cansaço generalizado e conta sobre como organizou suas ideias e proposições em 4 arquétipos: corpo esgotado, sedentário, distraído e carente.
Me identifiquei bastante com o que ele fala sobre o corpo esgotado e carente, mas esse último, em especial, me pegou de jeito. Não só por ele explicar muito bem e com palavras quase poéticas a angústia contemporânea, mas por simplificar o entendimento de que “quanto mais urbanizada é uma sociedade, menos as pessoas se tocam.”
E quando a gente pensa no toque, entendo que para cada pessoa ele pode vir de um jeito. Para algumas, com mais camadas de receio por conta da pandemia ou por violências vividas que criaram armaduras necessárias, pelo receio de parecer ser a única pessoa que quer muito dar abraços por aí mas que não é bem recebida, ou pela vergonha de parecer uma pessoa que precisa de mais carinho e não sabe como comunicar.
O que permeia esses diferentes perfis, por mais incrível que pareça, é a empatia. A habilidade de estar prestando atenção na outra pessoa e em si - e vendo o que ela está comunicando não verbalmente que precisa e que você pode ou não dar. O Danilo diz o seguinte sobre isso: “afogados no próprio umbigo, estamos descobrindo tardia e dolorosamente que quanto menos empatia, mais solidão.”
E eu sei que nem sempre a gente está bem, disposta, com tempo ou querendo olhar para essa comunicação não dita, mas é por tudo isso que a gente se sente, também, mais sozinha. Nessa dança do ‘eu te acolho um pouco hoje e você me acolhe um pouco amanhã’, ninguém está se movendo muito na direção do outro.
Dessa forma, não teria como a gente não se sentir sozinhas. Como se esse buraco nunca pudesse ser preenchido. Danilo explica isso muito bem aqui:
“O corpo carente é o resultado do radical empobrecimento e privação da experiência sensorial que vivenciamos da infância à velhice, retroalimentando uma espécie de insatisfação crônica perante a vida (que, não raro, se traduz em mais consumismo) porque sua “fome de pele”, de toque, de contato, de carinho jamais poderá ser suprida pelo seu entorno estruturalmente antipático, cujo desamparo é, simultaneamente, causa e efeito do corpo esgotado.”
Nessa relação de causa e efeito, ele traz em cada arquétipo três sugestões para incluir na “rotina de autocuidado”. E lendo as suas ideias, fiquei pensando em como seria fazer um experimento, onde, por uma semana, para todas as pessoas que eu encontrasse eu dissesse que estava fazendo um teste e dando abraços demorados.
Seria, além de um convite, um aviso: esse abraço será demorado. A pessoa pode participar ou não - ela que escolhe. Para além de dar e receber abraços de melhor qualidade, quero entender como eu e o outro se sentem nessa prática.
Insights pós experimento
Comecei a semana passada super empolgada, porque encontraria diferentes pessoas e poderia ampliar a amostra do experimento. Fui de companheiro a amigas de amigas, então consegui diversificar e observar a resposta entre diferentes graus de proximidade. Vamos às descobertas iniciais:
Nem sempre é fácil pedir um abraço
Dependendo da pessoa que eu encontrava e do motivo de estarmos juntas, me sentia mais ou menos confortável de propor o experimento. Percebo que essa sensação vinha um pouco do que eu entendia nos interesses de quem eu estava interagindo, como a pessoa estava naquele dia, se ela parecia mais ou menos aberta a participar e querer um abraço mais demorado.
Em quem eu percebi menor ansiedade ou pressa, consegui com mais tranquilidade propor a ideia e fui bem recebida. Com a primeira amiga que eu sugeri, conseguimos até dar um abraço longo na calçada, realizando duas coisas bem difíceis que falamos no início: abraçar demorado + em um espaço público.
Em situações onde encontrei mais de uma pessoa, senti que era impossível pedir por um abraço mais longo. Era como se não houvesse abertura para essa interação, especialmente na chegada, porque esses abraços são conhecidos como rápidos toques, em que logo se segue para a próxima ação.
Outro ponto foi que, conversando sentada, achei muito difícil falar sobre o experimento, porque assim as pessoas teriam que parar de conversar, se levantar e ficar um tempo se abraçando - algo que não me pareceu combinar com o momento.
Fiquei me perguntando se seria, então, mais fácil abraçar as pessoas quando elas estão em pé, porque tu pode só ir chegando pertinho e sussurrar algo e rapidinho conseguir um abracinho. Tenho que testar mais algumas vezes pra ver se essa hipótese se mantém em pé.
Abraços longos em grupos são muito difíceis
Nas duas interações que eu estive com mais de uma pessoa não consegui fazer o experimento. Encontrei grupos de 3 a 14 pessoas e em nenhuma delas eu consegui sequer tocar no assunto.
As razões eram diferentes, mas percebi que a motivação para o encontro direcionava um pouco o comportamento das pessoas. Se a ideia era mais uma conversa ou a celebração de algo, não parecia haver espaço para outras interações ou proposições de atividades.
A sensação que eu fico é que nem sempre o que as pessoas precisam é de um abraço, ao mesmo tempo em que eu fico em dúvida se, mesmo não parecendo, o que mais querem é um abraço.
Conclusão: é muito difícil entender as intenções das pessoas em grupos, porque elas estão respondendo a diferentes estímulos com maior velocidade. O que nos leva para o próximo insight.
O tempo é o pior inimigo do abraço
Gente, a nossa percepção de tempo é um problema. Eu estava propondo algo que fosse contra a aceleração, mas só me dei conta disso na prática. Nesses encontros com mais de uma pessoa, o tempo tende a passar mais rápido, porque acontecem mais trocas e interações.
Em uma velocidade maior, me pareceu muito corta fluxo do nada falar: “galera, para tudo, bora se abraçar?” Fiquei com a sensação de ser meio moderadora de dinâmica que tem que cumprir um cronograma, tentando entender se havia um buraco no frenesi para a gente desacelerar um pouco e sentir outras coisas.
E no caso do abraço, você tem que querer ele ou estar aberto para o experimento. Se não, se torna mais um abracinho qualquer, uma obrigação da socialização.
Fiquei me perguntando, então, além desses pontos todos que eu já comentei, se a sensação de falta de tempo seria um inibidor do afeto. Onde se eu não receber rápido o que eu preciso ou quero, então melhor deixar pra lá, pra depois, pra quando der.
Abraçar é bom demais
Por me interessar por esse assunto, poderia dizer que estou começando a ser uma sommelier de abraços, huahauha..
Entendo que cada pessoa abraça de um jeito e que nem todo mundo gosta dos mesmos abraços. Para mim, os melhores são aqueles em que tu vê que a pessoa não tem receio do toque. É como se o corpo inteiro estivesse presente nessa interação, para se encostar dos ombros às coxas, sentindo o tempo da respiração alheia se movendo em contato com a sua.
Abraços apertados também ganham pontos extras. Não precisa ser “de urso”, mas só de não ser molenga, de colocar um pouco mais de intenção, já fica muito mais gostoso.
Me surpreendo sempre que parece que o meu corpo encaixa no da outra pessoa. Como se a altura e a proporção tronco e pernas fossem perfeitas.
Isso é bem louco, né? Porque você já percebeu como nenhuma pessoa é igual à outra? Volta e meia eu fico prestando atenção nisso, agora que eu voltei a ser mais observadora. Ninguém tem a mesma bunda, o mesmo formato de panturrilha ou braços.
Dessa forma é quase como se a interação do abraço fosse uma oportunidade de um novo mosaico, onde diferentes corpos tentam encontrar o seu jeito de estar juntos em um pequeno tempo-espaço.
Gostoso demais!
Passada essa semana de experimento, não sei se foram os abraços ou uma maior oportunidade para encontros, mas não me senti tão sozinha como vinha sendo.
Pode ser que tenha a ver, também, com eu ter verbalizado que queria abraçar as pessoas, quase como me permitindo expressar um querer que, envolvido no experimento, tinha mais espaço para ser dividido sem julgamentos.
Acho que vou testar por mais um tempo esse experimento, ver se ele me leva para outros lugares, sentidos e abraços. Quem sabe nessa abertura para o sentir, eu descubra outras formas de carinho e afeto. Tem coisa melhor?
P.s: Quero muito saber o que você achou do experimento, se gosta ou sente falta de abraços. Eu iria adorar seguirmos conversa pelos comentários aqui ou, se preferir, respondendo esse email. Te espero :)
| Compartilhados da semana
Fiquei mais imersa nos conteúdos que eu compartilhei com vocês e terminando as séries que eu já tinha citado nas news anteriores, então não vou trazer novos links dessa vez.
Se tiver algo bom nas próximas leituras, pode deixar que eu compartilho no próximo mês, pois vocês sabem que eu levo a sério as indicações por aqui :)
Que ótimas reflexões!
Espero que você continue se abrindo para as demonstrações de afeto :) e que o experimento continue por mais um tempo.
Assumo que li todo o tempo pensando nessa tirinha aqui, que amo muito:
https://www.instagram.com/p/CV81Evblv72/?igshid=YmMyMTA2M2Y=
Que conteúdo que já chega como um abraço, essas reflexões são tão interessantes pois vão para muito além do simples fato do abraçar, mas sim como nos permitimos esses momentos de carinho e de se mostrar até vulneráveis quando necessário.
adoro teus conteúdos <3
Muito obrigada!