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Quantas pessoas você costuma encontrar no final de semana, quando não está trabalhando e não teria, em teoria, nenhuma obrigação de encontrar alguém?
O The Pudding fez uma pesquisa absolutamente incrível sobre a solidão dos americanos e apresentou ela em um site da forma mais brilhante que eu já vi na minha vida. Nela nós conseguimos acompanhar as 24 horas de 54 pessoas, de diferentes idades, classes sociais, gêneros, raças e estilos de vida e descobrimos que a solidão não é algo que acontece com um perfil específico de indivíduo.
Eu fiquei dias pensando sobre as vidas que eu conheci um pouco mais através dessa pesquisa, cruzando com a minha rotina atual de encontros e solidões.
Eu moro em Porto Alegre desde 2009, ano em que passei no vestibular e vim fazer faculdade. Nunca morei sozinha. Sempre dividi apartamento com amigas, conhecidas e familiares.
A última formatação foi no apartamento que moro há quase 10 anos, primeiro com meu irmão, meu companheiro e a Amora, nossa mascote, depois com meu companheiro e a Amora. Com a minha família de sangue, vamos dizer assim, nunca mais convivi mais do que 10 dias.
Até recentemente eu não entendia o que isso tinha causado em mim. Esse afastamento físico e emocional, o corte para a vida adulta onde, após uma viagem de ônibus de 8 horas de Santa Rosa para cá, eu estava me tornando “dona de mim”.
Teria que aprender a cuidar da minha vida, da minha casa, do meu dinheiro, de estudar, fazer minha comida todos os dias, trabalhar, lavar minhas roupas, ir ao supermercado. Tirando estudar, até os 17 anos eu não tinha feito ainda muitas dessas coisas. Quem cuidava disso tudo era a minha mãe.
Passado esse portal do noroeste do estado para a capital, eu não moraria mais ao lado da casa da minha vó, para onde eu sempre poderia ir se estivesse com fome, carente ou só querendo ouvir ela falando alto. Também não teria mais a rotina de final de semana, com almoços todos os domingos, seguidos por passeios para a chácara do meu avô ou algum parque ou só ficar de perna pra cima lendo o jornal.
Há 15 anos atrás, quando eu entendi que a minha vida não seria mais essa, confesso que achei incrível. Finalmente eu ia poder comer o que eu quisesse, comprar o que eu quisesse (iludida ela), não precisaria mais arrumar a minha cama ou passar o domingo ouvindo conversas que não me interessavam com parentes que só queriam cuidar da vida dos outros.
Hoje, aos 32, percebo que não era só isso e que por muito tempo o que eu chamava de vazio era falta de família. Mas não da família que eu tinha, porque eu podia pegar um ônibus e ir visitá-la, mas da família que eu queria ter.
Ando conversando com o meu irmão sobre isso. Aos pedaços, no pouco tempo que passamos juntos em um almoço e outro, resultado de um movimento recente que fizemos de aproximação.
Eu sempre disse pra ele que a gente não era obrigado a ser irmão só porque tinha os mesmo pais. Que eu acreditava que a nossa relação precisava fazer sentido para os dois, ser querida e trabalhada para isso. Ela não poderia ter como base a ideia do que achávamos que ser irmãos era - e sim do que a gente gostaria que fosse, construindo juntos esse laço.
É difícil dizer e ouvir isso. Que a sua irmã não quer apenas cumprir o papel social que foi imposto a ela: o de cuidar sempre e nunca ser cuidada. Eu imagino que isso deva ter nos afastado por muito tempo, porque exige muita consciência escolher se você quer nutrir uma relação familiar ou não.
Com o passar dos anos morando em Porto Alegre, eu fui dando uma nova importância aos amigos. Nos primeiros anos de faculdade eu tinha um grupo de vizinhos que eu adorava. A gente se via todos os finais de semana, bebia como se o nosso fígado pudesse ser trocado com facilidade amanhã, nos reuníamos para comer o que tinha na geladeira de cada um e falávamos sobre tudo, menos sobre a nossa vida de durante a semana.
Tinha pessoas com quem eu convivia que eu não sabia com o que trabalhavam ou o que estudavam. Me dei conta disso um dia que um dos guris tinha pagado um balde de bebida pro grupo numa festa. Na hora eu queria saber de onde vinha aquele dinheiro e foi então que descobri que o rapaz trabalhava numa grande empresa. Tudo fez sentido e nada mudou na dinâmica do grupo.
Conforme fui amadurecendo, comecei a questionar se aquelas amizades eram reais. Por não saber muito sobre algumas partes das vidas daquelas pessoas e por perceber que o nosso estilo de vida de balada e bebida barata não seria sustentável, fui me afastando do grupo.
Me mudei para mais longe, briguei com o meu melhor amigo por algum motivo idiota. Algumas pessoas já estavam se afastando por diferentes motivos, mas eu precisei criar uma ruptura para conseguir cortar esses laços do que por um tempo foi a minha família aqui.
Eu já namorava o meu companheiro nessa época, então foi “natural” aos pouquinhos ele ficar mais na minha casa e, com o tempo, irmos morar juntos. Eu, ele, meu irmão e a Amora construímos uma pequena família aqui, mas eu não sentia que isso era suficiente.
Não porque eles não eram legais (meu irmão não era na época😅), mas porque eu não achava justo depender emocionalmente deles e vice-versa. Leio e converso sobre a construção social de família há um tempo e me incomoda como ela vai rapidamente pra obrigação, servidão e solidão.
Com a pandemia ficamos só eu, meu companheiro e a Amora em casa. Eu nunca ficava sozinha e estava ao mesmo tempo muito sozinha. Passados os anos de quarentena, percebo que essa sensação não mudou muito e que, na verdade, ela sempre esteve ali, de certa forma.
Eu não podia ou queria depender da minha relação amorosa para ter uma família. Se eu tivesse que decidir hoje, eu não quero ter filhos. Como fica essa parte da minha vida, então?
A única resposta que me vem à cabeça são os amigos. As pessoas que eu quero ter por perto e com quem não me vejo entrando no looping obrigação, servidão e solidão.
Tem uma frase que a Lari Magrisso, do Lúcidas (gravei podcast com ela esse ano, vale muito ouvir) fala com certa frequência e que eu concordo 100%: investir nas amizades é investir na aposentadoria.
A família que a gente aprendeu a querer é aquela em que a responsabilidade do cuidado está centrada nas mulheres. Quando você fica doente, outra mulher acaba cuidando de você e isso me parece completamente injusto.
Aprendemos que um jeito de não ficarmos sozinhas, que é diferente de não se sentir sozinha, é se casar e ter filhos. Após conquistar esse par e ter um bebê, você não precisa se preocupar com a velhice, eles vão cuidar de você. Será? Na prática não é bem assim que funciona.
Eu sei que não é tão simples assim, que precisamos abrir uma aba do que é cuidado para cada uma, do que significa família para cada uma, mas tenho minhas hipóteses de que poucas pessoas sabem essas respostas, especialmente quando se afastam do que socialmente se espera das mulheres e da ideia de família.
Pensando no futuro, quem seriam as pessoas que mais nos conhecem, que compartilham nossa visão de mundo, valores e que a gente dá e recebe de maneira saudável carinho, atenção e afeto? Aquelas pessoas com quem a gente pode ser vulnerável, falar coisas sem pensar muito e não ser cancelada?
Mesmo sabendo disso tudo, anda muito difícil fazer amigas, especialmente as mais próximas. E a culpa disso não é só nossa, é de como a nossa sociedade foi se organizando de mais comunitária para mais individual, passamos da priorização dos momentos em conjunto para se ter mais tempo de autocuidado, de trabalhar mais e conviver menos.
E assim, eu sei que é importante termos momentos sozinhas, fazendo as nossas coisas, ficando com os nossos pensamentos, mas se tem algo que eu aprendi estudando filosofia é que se conhecer também é uma construção coletiva. Tudo está em relação, então não adianta a gente meditar em casa, alinhar toda a nossa energia e quando estamos em contato com alguém não conseguimos ser acolhedoras ou respeitar os nossos limites.
Eu comecei o ano falando por aqui da minha missão de fazer novas amigas e estou terminando o ano com uma nova grande amiga, o que pra mim é um sinalzão de sucesso. Por outro lado, ainda sinto falta dos almoços de domingo. De ter tempo para preparar uma comida gostosa, comer sem pressa e depois poder ficar matando tempo reunidas.
Será que essa deveria ser minha nova missão para o ano que vem?
| Compartilhados do mês
~ Para quem quiser seguir na temática família, tem um episódio do Meu inconsciente coletivo muito muito bom sobre o assunto. A Tati conversa com o psicanalista Pedro Ambra, sobre como a instituição família vem fracassando há décadas e se tornou um pilar para o capitalismo e facismo contemporâneo.
~ Traumas fazem parte da vida, ser traumatizada, não. Essa foi uma das frases incríveis que ficaram em mim depois de ouvir o Bom dia Obvious, com a maravilhosa Ediane Ribeiro. Elas conversaram sobre relações saudáveis serem curativas, sobre conexões e vínculos diminuírem o stress e de como é desafiador ter relacionamentos que não gerem gatilhos ou sejam tóxicos.
~ Eu estou amando a nova série da Rita Von Hunty sobre o ABC do socialismo. O primeiro vídeo fala sobre ser ou não possível pensar no fim do capitalismo, assunto que me interessa profundamente, pois cansada desse rolê.
~ Sigo apaixonada pelo Imposturas Filosóficas. Acabei de fazer o curso deles sobre o que é o amor e sai ainda mais encantada pela forma didática dos Rafaéis compartilharem sua vivência de filosofia. Cruzando um pouco com o curso, eles gravaram um episódio sobre como a nossa perspectiva do prazer mudou completamente depois da pandemia + uma das conversas mais incríveis sobre anarquia relacional e amores coexistentes que você vai ouvir.
~ Pra quem gosta de tudo que vem da Coreia do Sul, fiquei sabendo recentemente de uma nova vertente da Hallyu: o k-literature ou k-lit. Quem explica muito bem esse movimento, que promove muitas escritoras mulheres é a 451, em uma conversa com uma das donas da livraria Aigo, de São Paulo, e a professora da USP, Yun Jung Im Park.
Eu li nos últimos anos alguns livros incríveis do leste asiático. Se você quiser dicas, me avisa que eu te mando por e-mail, que tal?
Mas ainda sobre essa entrevista, a professora Park fala sobre como as jovens adultas coreanas estão se posicionando de uma forma mais feminista, o que está mudando o movimento literário e político por lá. Pra você ter uma noção, a Coreia tem a menor taxa de natalidade do mundo, um reflexo da greve não declarada que muitas mulheres jovens estão fazendo, optando por não terem filhos como uma forma de lutar contra a histórica violência social e familiar que sempre sofreram.
~ Assisti na Netflix o filme tailandes, Era uma vez uma estrela, bem levinho, bem gostosinho e com uma sonoridade na fala que a gente não está muito acostumada a ouvir. Conta a história de uma farmácia/cinema, que viaja o país reproduzindo filmes com dublagem ao vivo, algo que eu nunca tinha visto na vida e achei incrível.
Uma frase do filme que ficou foi: precisamos descobrir o que amamos para poder encontrar os nossos sonhos ❤️
Ah, não vai embora sem participar da nossa pesquisa, tá?
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A recessão das relações
Que texto gostoso! Obrigada, foi um abraço no domingo <3