Alguns dias atrás comecei um texto sobre esse mesmo assunto e o resultado ficou um pouco pessimista demais. Os dias passaram e minha perspectiva mudou, então resolvi escrever essa segunda versão - mais alegre. Afinal, dentro de tantas coisas acontecendo no mundo, esse é um texto sobre amizade. E a vida tem disso, remexemos e reviramos as mesmas situações dentro da gente, refazendo o significado das coisas. Podemos muito bem modificar como algo nos afeta, como uma memória ou aprendizado nos influencia no presente ou, como é o caso desse texto, se nos debruçamos sobre um pensamento de forma mais ou menos otimista.
Comecei a escrever depois de assistir um vídeo que falava que é mais difícil compartilhar nossas alegrias do que nossas tristezas e frustrações. Era algo mais ou menos assim: “se são poucos os amigos que podemos ligar na hora da dificuldade, menor ainda é o número de amigos que podemos ligar com notícias de grande sucesso e alegria”. A ideia era defendida dizendo que não falamos sobre as coisas boas com naturalidade porque temos receio que isso soe egoísta, magoe as pessoas à nossa volta ou os faça se sentirem mal a respeito de si mesmos. Fiquei pensando muito sobre esse trechinho - e me pareceu tão diferente do que a gente ouve e fala sobre a amizade que resolvi puxar essa conversa aqui também.
Não acham estranho pensar dessa forma? Minha primeira reação foi a mais básica: se a pessoa não fica feliz pela gente, não é nosso amigo de verdade. Mas provavelmente é o tipo de assunto que fica mais negativo justamente porque preferimos negar veementemente que um sentimento como esse possa existir (em nós e nos outros). Fica ainda pior porque a amizade é com frequência essa prima esquecida do amor, sobre a qual concentramos menos atenções. Escrevemos tanto sobre as proezas e frustrações do amor, nossos dramas, traços tóxicos e problemáticos, enquanto a amizade permanece menos explorada, muitas vezes ainda existindo num lugar bastante idealizado.
É claro que ela é, com muita frequência, um respiro muito mais saudável entre as relações familiares e amorosas, muitas vezes extremamente complexas. Mas ainda somos as mesmas pessoas cheias de falhas e expectativas, com os mesmos medos, nos relacionando num contexto de situações imperfeitas. Então pode ser uma boa hora para admitir, aqui entre nós, que às vezes é um desafio sim compartilhar as coisas boas, mesmo com os nossos melhores amigos. E também que, de tempos em tempos, fica difícil ser o amigo entusiasmado com a felicidade do outro, principalmente se as coisas não andam fáceis para nós.
Pessoalmente, já senti receio de contar uma boa notícia, uma boa-sorte, para amigos próximos, pensando que talvez eles não entendessem ou pudessem ficar um pouco frustrados. Também já notei no olhar de uma pessoa querida que a história que eu contava talvez não a fizesse feliz como eu imaginei que faria. Pior do que isso, também já senti, do outro lado, um aperto no peito depois de insistir muito em algo e ver minha persistência frustrada de novo e de novo, enquanto uma pessoa que eu gosto conseguiu facilmente o mesmo que eu pensei que queria. Aquela felicidade agridoce que chega permeada pela insegurança de "será que nunca vai dar certo pra mim”?
São sentimentos feios, não são? Com frequência, questões que preferiríamos não viver e não pensar muito sobre. Mas são sentimentos comuns e são os nossos sentimentos… se a gente não olha pra eles e não fala sobre eles, eles vão ficando coisas maiores e monstruosas que, de verdade, não precisam ser. Claro que não queremos por perto pessoas mesquinhas, invejosas e egoístas, que tem essas características como traços de suas personalidades. Mas, ao mesmo tempo, somos sim, às vezes, de acordo com o contexto - mesquinhos, invejosos e egoístas - inclusive com aqueles que amamos.
Então a frase do vídeo que citei ali em cima passa a fazer um pouco de sentido: nem sempre é fácil compartilhar os sucessos, a boa sorte, as notícias felizes. E nem sempre o outro deixa de se conectar por uma falta de afeto, de boa-vontade ou de amor, pelo contrário. Com frequência essas desconexões acontecem nos pontos que doem nos nossos amigos e na gente: histórias que tocam de alguma forma as nossas próprias dores e perdas, nossas impossibilidades e frustrações. Às vezes estar em uma fase infeliz ou difícil, que toma toda nossa energia, pode nos fazer desviar da felicidade dos outros. Por isso, aprender a acolher as notícias felizes de nossos amigos é um traço tão importante.
Se dispor a doutrinar o coração e o ouvido, colocar o próprio medo do fracasso de lado para se empolgar de verdade pela vitória do outro. Em contrapartida, também é importante entender que nem sempre as pessoas estão nas melhores condições para se alegrar junto com a gente, já que essa troca depende de fatores e contextos que vão além do afeto.
Acho que era aqui que eu queria chegar com esse assunto, dessa vez. Com a consciência que situações assim acontecem e que isso não pode ser simplificado ao extremo - como má índole ou desamor. Ao invés de pensar que “precisamos de amigos melhores”, pensar em como podemos ser amigos melhores, justamente porque nem sempre é fácil colocar de lado os próprios problemas. É bom que a gente saiba que ser feliz junto não é sempre uma tarefa simples e nem sempre vem tão naturalmente quanto gostaríamos.
Então podemos pensar nisso como algo a ser aprendido, uma característica que pode ser exercitada e desenvolvida, que envolve autoconhecimento, amor próprio e uma imensa paciência ao entender os tempos da vida, o papel da sorte e de não se sentir inferior diante do avanço daqueles que amamos.
É claro que ser um amigo que acolhe e socorre nas horas de dor e tristeza é muito importante, por sinal, sempre pensei que é a característica fundamental das amizades duradouras. É extremamente reconfortante a consciência de poder contar com o outro, de verdade, quando as coisas ficarem difíceis. Mas tenho pensado cada vez mais na delícia que é saber compartilhar o que é bom - que a felicidade de quem a gente ama seja também a nossa - cada dia mais independente e deslocada das nossas próprias questões. Sem mistificar as amizades, nem desvencilhar a característica humana desses relacionamentos.
Talvez essa seja uma busca interessante, um bom conceito do que poderia ser uma “pureza do afeto”: a consciência de que, mesmo nos momentos felizes, ser um bom amigo pode nos exigir uma dose de esforço, aprendizado e doação.
Ser feliz junto é também um exercício, no qual é preciso fortificar a ideia da felicidade como um recurso vivo, que não é esgotável, mas que se prolifera através da vitória daqueles que amamos. <3
Fiquem bem, cuidem bem dos seus amigos.
Beijos, Gabi S.
*P.S.: Eu sempre fico na expectativa de saber a opinião de vocês a respeito dos assuntos sobre os quais escrevo aqui - então, se quiser seguir conversando, deixa uma mensagem ou responde esse e-mail, eu vou adorar <3
**Imagens dessa newsletter: @thomaslelu.
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