A gente não sabe o que quer
Mais um ano que começa com a sensação de que o anterior ainda não terminou: 2022 só copiou a estratégia da Marvel de ficar criando sequências para sempre 🫠
Quando eu comecei a trabalhar com pesquisa de comportamento e mercado, lá em 2012, uma das frases que eu mais ouvia era que “as pessoas não sabiam o que queriam”. Sendo assim, quando eram elaboradas as perguntas para um grupo focal ou entrevista em profundidade, tínhamos a missão de conseguir passar pelas respostas rápidas e prontas e nos aventurar nas outras camadas do desejo.
Mas por que é tão difícil a gente acessar esse desejo? Não digo só em uma entrevista de pesquisa, mas quando a gente se questiona sobre ele, por que ele fica tão escondidinho que acabamos tendo mais dúvida do que certeza do que queremos?
Eu não sei.
Talvez porque a partir da globalização a gente tenha criado essa ilusão de que “pode tudo na velocidade de um clique”. Falando assim, parece que a globalização aconteceu há 100 anos atrás, mas quem é millennial lembra da loucura que foi poder conversar com pessoas de qualquer lugar do mundo depois de conseguir conectar a internet discada.
Mas por que eu entrei nesse looping reflexivo sobre escolhas e desejo logo no começo do ano? Primeiro, porque 2024 começou com a sensação de 2023 parte 2. Segundo, porque eu não terminei o ano com tudo resolvido na minha vida - nenhuma novidade, virada de ano não é pra isso, a gente que inventou essa história pra tentar procrastinar um pouco menos, sejamos sinceras.
Ando aprendendo, com dificuldade, como nada acontece no meu tempo. Eu adoraria ter sabido o que sei sobre mim há 10 anos atrás, pra não precisar passar por otária tantas vezes. Mas, aparentemente, eu não tinha como perceber como fui otária sem ter sido, olha que loucura.
Sendo assim, só posso começar 2024 no modo “to be continued..”, na continuação de entender por que cargas d'água eu tenho tanta dificuldade de acessar o que eu desejo e, por consequência, realizar o que eu realmente quero.
E assim, não é que eu não saiba o que eu quero comer, que eu seja indecisa. Não sou esse tipo de libriana. Eu não sei as coisas grandes. Talvez eu seja esse tipo de libriana.
Se você também tem dificuldade em tomar grandes decisões, que tal começar por uma pequena e facinha?
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Vou dar um exemplo. Em 2022, fui passar uma semana em Salvador com a minha mãe. Voltei de lá querendo ficar um mês e seguindo viagem pelo restante do nordeste.
Não tinha como. Eu precisava voltar para Porto Alegre para, alguns dias depois, ser convidada a me desligar da empresa onde eu estava - um clássico pós-férias. Aquilo me destruiu e corroeu por um bom tempo. Eu nunca fui a pessoa que foge, sempre fui a que fica, mesmo no desconforto.
Porém, estava sendo um pouco demais. E se tem uma coisa que o nordeste fez em mim foi sentir que eu precisava viver mais e trabalhar menos. Que tinha uma imensidão de Brasil que eu não conhecia e que eu poderia me organizar para conhecer.
Contando assim parece que foi uma crise de retorno de Saturno. Eu juro que não tinha feito essa conexão, o que comprova que a gente só entende mesmo as coisas com o tempo, minha deusa.
Pois bem, comecei a fazer o que faço de melhor: uma planilha da viagem de 6 meses que eu faria pelo norte-nordeste. Um mês em cada estado, começando por Recife ❤️ e terminando em Manaus.
Outra coisa que eu sou muito boa é em encontrar Airbnbs. Eu adoro pesquisar casas legais para ficar, independente da localização. Como costumo viajar pelo Rio Grande do Sul, estou acostumada a curtir mais o lugar e menos a cidade, especialmente pela minha cachorra estar sempre junto, o que nos leva para micro cidades e muito mato.
Pesquisei bastante e encontrei apartamentos perto do mar, algo que seria um SONHO. Busquei me conectar um pouco mais com esse desejo enquanto fazia os planos e o total seria, com passagens de ônibus e avião = R$ 23,725.00.
O valor de uma moto. De uma pós-graduação. De um sonho inviável.
Quando eu vi aquele número eu entendi: vou ter que trabalhar anos para pagar as contas que eu tenho hoje e conseguir juntar esse dinheiro pra viajar. O que me acalmava um pouco era saber que eu estaria trabalhando enquanto viajava, o famoso “ganhando dinheiro na estrada”; mas sendo autônoma, a certeza era muito pequena.
Se não tinha como rolar financeiramente, o exercício de sonhar foi super divertido, mas ele estava aquém da minha realidade. Fechei o Excel, falei mais algumas vezes sobre esse querer e deixei ele num cantinho do meu google drive.
Eis que o tempo, sempre ele, quase um ano depois, me ajuda a entender o que eu não vi na época.
Qual era o objetivo da viagem? Me conectar mais comigo e poder sair um pouco da rotina que me lembrava todos os dias do meu fracasso. Além disso, eu queria viver mais, lembra? E, para mim, viver é estar com pessoas, conhecendo gente, algo que desde 2020 ando tendo dificuldade em fazer. Dificuldade de sair de casa, em não ficar completamente esgotada depois de passar algumas horas interagindo com mais de 3 pessoas.
Se eu queria conhecer gente, como eu iria fazer isso em um airbnb? Morando sozinha em cidades onde eu não conheço ninguém? Me explica?
Em momento nenhum eu pensei em pegar um hostel, “porque eu não ia sair do conforto do meu lar pra passar perrengue.” Mas gente, se tem uma coisa que é sinônimo de sair de casa é passar perrengue.
Eu não sou uma super viajante, então me esqueço como só tem um lugar onde a gente tem maior controle sobre as nossas coisas, tempo e rotina: nossa casa. Fora dela, nada é nosso. A dificuldade vai vir, seja estando em um apartamento alugado e incrível, mas que tu se sente completamente sozinha, ou em um quarto compartilhado onde tu tem receio de pegar no nosso e ter gases noturnos.
Qual era o meu desejo, então? Em 2022, o que eu queria era viajar tendo conforto em casas legais, me sentindo um pouco segura em cidades novas e pedindo pra amigos de amigos me apresentarem amigos de amigos locais 🙃 Porém, se eu queria sair da rotina, me aventurar viajando sozinha pela primeira vez não era bem segurança que eu buscava, né?
Se conhecer não é sinônimo de seguir fazendo as coisas do mesmo jeito.
Se eu estou “acostumada” a viajar de um jeito, mas o meu objetivo com essa viagem era outro, como eu posso querer conseguir coisas diferentes fazendo tudo igual? Percebe como não faz sentido?
Meu 2024 começou assim, levinho. Sempre que eu tenho essas epifanias eu fico mal por uns dias. Mal por tudo que eu deixei passar achando que estava seguindo o “caminho certo”. Mal por me sentir meio idiota, por não conseguir encarar o que eu realmente quero e seguir em frente - porque, sim, dá medo. E mais do que isso, mal com o quanto o receio de me frustrar abre uma nova rua na minha frente, que na hora parece a que vai me levar mais rápido pra onde eu quero ir, o que nunca acontece 🤡
É como se eu tivesse passado meus últimos anos me auto-rejeitando, decidindo que não poderia fazer ou querer determinadas coisas, porque era óbvio que eu não iria conseguir. Tudo isso, lindamente, sem ter consciência de nada.
Passados os primeiros dias em que me sinto vazia, meu lado ariano me salva. Meu companheiro brinca que eu sou muito boa em sair do poço, porque eu vou até o fundo, mas sempre volto com alguma ideia nova.
A ideia nova de agora: parar de ser DOIDA!
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~ Compartilhados do mês
~ Percebi que eu ouvi menos podcast nas férias, mas escutei alguns muito bons.
Um dos mais marcantes foi o Meu Inconsciente Coletivo sobre luto. Eu nunca me relacionei muito com o assunto, porque faz tempo que não perco pessoas próximas, mas recentemente anda chegando até mim cada vez mais conteúdos sobre o assunto.
Nesse episódio, a Tati recebe a psicanalista e escritora Clarice Paulon, especialista em gestão em saúde pública, com um trabalho incrível de acompanhamento com coveiros em SP.
Clarice traz uma analogia perfeita do inconsciente, que para ela “é como se fosse um mangue. Ele precisa que as coisas comecem, terminem, morram, fiquem um pouco na gente, pra ir estruturando aquela biodiversidade que promove a vida”.
~ O que fiz muito foi ler newsletters que eu gosto. A revista Amarello costuma compartilhar alguns dos textos do site e um deles era sobre o envelhecimento da mente. Um texto que me abriu no meio com trechos como:
“Tomo a citação de Sêneca, do ano 62 d.C.: ‘somos, no mais das vezes, mais vítimas do nosso terror do que dos perigos reais, e sofremos mais com a ideia que fazemos das coisas do que com as próprias coisas’.
Anotei aqui mais essa:
“Também se pode desenvolver uma tolerância à frustração. Aprender desde cedo que nada é como gostaríamos que fosse nos habilita a enfrentar a vida como ela é. Nos angustiamos, tememos, mas isso não precisa ser um fator de antecipação de catástrofes e precipitar ações inadequadas.”
A descrição da minha mente, obrigada por esse esclarecimento.
~ Assisti a um vídeo muito fofo, de uma série do Conversa na Rede, produzido pelo Selvagem, ciclo de estudos, com Ailton Krenak e o jornalista, fotógrafo e ativista Hiromi Nagakura. Eles passaram alguns anos viajando juntos pela Amazônia e compartilharam um pouco da sua perspectiva de mundo. Ailton fala umas coisas que ao mesmo tempo que doem, abraçam, é muito louco.
Olha isso:
“O nosso corpo é a primeira fronteira. Ele é um aparato que carrega uma cabeça, que não liga com o coração.”
~ Já li metade da heptalogia (procurei no google, pois como se diz um conjunto de 6 livros? 😅) de ficção da Ursula K. Le Guin: o Ciclo Terramar. Ela começou a escrever os livros em 1964, então dá muito pra relacionar o que acontece no mundo de Terramar com o crescimento do capitalismo e do homem destruindo a natureza. É muito muito legal, porque ela sempre consegue entregar camadas pra além da literatura. Tudo parece político, social e ambiental quando ela escreve. Fui até o terceiro, A Última Margem, pois a nova edição está sendo lançada aos poucos, pela Editora Morro Brando. Alias, os livros são lindosss, com um efeito metálico na capa que lembra muito os Harry Potters <3
~ Estou assistindo aos filmes indicados a melhor filme no Oscar e ia dizer que ainda não sei qual era o meu preferido, mas eu sei sim! Sei muito! Vou comentar rapidinhos sobre os que eu já vi, caso tu esteja em dúvida de por onde começar :)
A Sociedade da Neve (Netflix): falar dele agora parece meio velho, pois ele está há um tempinho disponível, mas que filme foda. Pelamorrr!!! Saber que a queda do avião foi real deixa tudo ainda mais intenso. Fiquei refletindo muito sobre como fez toda a diferença as pessoas do avião terem sido um time de rugby, que já tinham uma dinâmica de grupo, serem jovens e atléticos.
Maestro (Netflix): gente, quem é Bradley Cooper? Não é o protagonista. Aquele nariz tá perfeito! E ele ainda dirigiu o filme. Mas assim, Carey Mulligan não fica pra trás. É mais uma história de um homem que foi grande porque tinha uma grande mulher ao seu lado? Sim, mas eu não me canso de ver como nós somos fodas.
Anatomia de uma queda (Cinema): tinha tanta gente falando desse filme que eu fui ver, como todos os outros, sem ler muito antes sobre. Como ser casado é difícil. Como a gente não consegue tomar lados, porque todo mundo tem a sua própria verdade. São tantas camadas: o relacionamento ser mais intelectual que afetivo, duas pessoas de nacionalidades diferentes que falam línguas diferentes, traumas, desejo, ambições individuais que não conseguem ser do casal… Posso passar uma tarde falando desse filme. Outra coisa rapidinha, como pode uma trilha dizer tanto, socorrooooo..
Vidas Passadas (Cinema): tudo que for coreano e passar no cinema terá o meu dinheiro. Acho que depois de Parasita, as pessoas se abriram um pouco mais para as produções asiáticas, amém! Esse filme fala muito sobre imigração, mas também sobre os amores que partem e os que ficam. Ele é lindo, eles são lindos, faz a gente refletir sobre relações passadas e reconhecer a importância do silêncio. De não ter respostas prontas e de ser acolhida no seu sentir.
Pobres Criaturas (Cinema): o último que eu vi até o envio dessa news e que foi lançado a pouco no BR. Eu daria o Oscar agora para todas as categorias que ele está indicado mesmo sem saber quais são. Só pega tudo e leva pra casa. Sabe aquela sensação de que não tem mais nada de novo acontecendo no cinema? Que os lançamentos são só novas versões das mesmas histórias? Pobres Criaturas derruba essa ideia por completo. Eu nunca tinha visto algo igual. Uma estética meio “steam punk”, meio no passado meio no futuro, com uma Emma Stone ABSURDA. Essa mulher, peloamordadeusa, quantas expressões e sutilezas cabem em um único rosto?
Pobres Criaturas entrega trilha, looks, maquiagem, direção de arte, roteiro, fotografia, atuação, enredo. Como assim uma frankestein criada pelo frankestein? Sim! Vou parar por aqui, porque não quero dar spoiler, mas na dúvida, só veja esse.
Ah, e fica a dica de ir no cinema entre segunda e quarta, que os ingressos inteiros são mais baratos 😉