O que fazer com o tempo?
Uma tentativa de organizar um pouco a culpa pelo tempo livre
Eu tava um pouco em dúvida se falava sobre isso hoje, porque não sei em qual momento você está e não sei se as minhas ideias já estão organizadas.
Vou começar, então, falando rapidinho de onde eu parto nessa conversa.
Na minha família existem três coisas importantes: trabalho, família e igreja. Lendo assim parece que eles são o desenho do conservadorismo de direita e é isso mesmo.
Lazer, arte e amizades nunca foram valorizados ou incentivados. O único dia em que se poderia ficar mais de bobeira eram os domingos, também conhecido como o dia em que deus descansou da criação do mundo.
Andando no tempo, do que eu me lembro dos anos 90 e início dos 2000, o capitalismo estava a todo vapor. A gente recebia pela mídia novos símbolos do que era sucesso, a educação começou a se estruturar mais como um mercado e todo mundo queria poder viajar para o exterior para se sentir um pouco parte da globalização.
Partindo desse lugar, mesmo discordando dele em vários momentos, eu comprei a ideia do trabalho como missão de vida. Não só para buscar uma sobrevivência com mais propósito, mas para poder conseguir aguentar os longos anos da vida adulta produtiva com uma sensação um pouco mais leve de que tinha algo maior por trás da rotina exaustiva.
Tudo mentira.
O que existe por trás de uma mulher cansada é um sistema econômico que não só depende de que você se comporte assim, como também lucra e cresce com isso.
Eu andei lendo alguns conteúdos sobre descanso, como o Report dos Direitos Descansistas e, em contraponto, alguns vídeos de influenciadoras falando sobre as suas rotinas corridas. O ano é 2023 e a gente ainda tá produzindo conteúdo sobre nunca parar?
Confesso que eu não sei nem por onde começar. São tantas camadas do que a gente aprendeu que era “o certo”, de como a gente imagina que o mercado quer que a gente se comporte, do que seria uma carreira e currículo desejável, que eu só tenho vontade de pegar uma chave de fenda e enfiá-la para essa roda parar.
Trabalho e descanso são assuntos que mexem muito comigo, porque eu sinto muita culpa por ter tempo livre. Como, eu, no ápice da minha idade produtiva, estou buscando uma vida mais tranquila, onde eu trabalho menos, ganho menos e me incomodo menos? Como que eu não estou enlouquecida ocupando meu tempo fazendo cursos, pós-graduações, pensando nos meus próximos passos e sim dedicando mais tempo para nutrir e criar novas relações?
Porque eu entendi que era isso que eu precisava agora, mesmo me sentindo o peixinho solitário nadando contra a corrente.
Eu fui uma das pessoinhas que passaram a pandemia inteira trabalhando. Na falta do que fazer, bora trabalhar, né? Tem coisa melhor?
Agora que eu tenho quatro doses de vacina nesse corpinho, tudo que eu mais quero é motivos pra ir pra rua. Para encontrar pessoas que eu gosto, ficar conversando por horas sem me preocupar com o tempo e, entre um encontro e outro, trabalhar um pouco.
Consigo fazer isso sempre? Não, mas foi muito importante entender quais eram as minhas motivações para conseguir silenciar um pouco a voz estridente da culpa e me permitir ter esses momentos para além do trabalho.
A pergunta que me norteia nessas horas é: para quem? Para quem eu estou fazendo isso? Ah, é para a minha carreira. Então, não é só pra mim, é para o que eu acho que o mercado espera de mim.
É para eu me sentir mais segura no meu trabalho. Será que isso não quer dizer que você não se sente valorizada onde você está? Um curso realmente vai resolver isso?
Usei o exemplo dos cursos, porque somos muito boas em ocupar o nosso tempo com coisas que a gente acha que os outros vão valorizar. Também desenvolvemos muito bem a habilidade de nos soterrar em atividades que não são importantes, mas que precisam ser feitas.
Percebi, inclusive, que faz muito tempo que eu não tenho lista de tarefas. Não é porque eu não tenho coisas pra fazer, mas porque eu fui aperfeiçoando como a gestão do meu tempo funciona melhor pra mim.
Se é importante, a atividade vai para minha agenda e já tem um tempo destinado para aquilo. Numa lista, ir ao supermercado pode estar ao lado de pesquisar algo para o trabalho, mas o tempo, energia e atenção dessas atividades são muito diferentes. Eu preciso entender o que elas precisam de mim para poder organizá-las em momentos diferentes do meu dia e não só para poder riscá-las.
E chegando nesse lugar onde me encontro, tendo mais tempo livre e poucas coisas para fazer com ele, cheguei a pensar se eu não deveria ser um pouco mais bagunçada, um pouco mais procrastinadora, porque eu não lido bem com o não fazer nada.
A sensação é como se eu estivesse sozinha em uma ilha, onde só eu tenho tempo livre e todas as outras pessoas estivessem trabalhando muito, estudando muito ou encontrando muitas pessoas.
Tentando racionalizar, entendo que isso pode só ser uma fase e que, talvez, eu devesse aproveitar um pouco a calmaria. Não era isso que eu tanto queria? Sim, mas quem disse que a gente tá preparando para receber o que a gente quer?
| Compartilhados da semana
~ Voltei a ver Killing Eve (Globo Play), uma série que eu amo, mas que acabou ficando pra depois pela mão de ter que baixar pelo Stremio. Ela conta a história sobre a complexa relação entre uma investigadora americana e uma serial killer russa. O envolvimento entre elas e os demais personagens é tão cheio de camadas e reviravoltas que é lindo demais acompanhar sua evolução e decrescimento ao mesmo tempo.
~ Comecei a ver Winning Time: The Rise of the Lakers Dynasty (HBO), que como o nome já diz, conta a história de ascensão do time de basquete de Los Angeles, os Lakers. É muito curioso ver como eles eram um time qualquer, que não ganhava quase nada, que tinha muitos problemas financeiros e que precisou de muita criatividade e algumas pitadas de loucura pra conseguir ser o que é hoje.
~ Buscando uma coisa mais levinha, encontrei uma nova novela coreana. Intensivão do amor (Netflix), conta a história de um professor de cursinho pré-vestibular que é estelar. Ele é um dos melhores professores de matemática da Coreia, workaholic, com distúrbio alimentar, que acaba se aproximando da dona de um restaurante que é famosa pelos seus banchan - os incríveis acompanhamentos coreanos.
~ Assisti, também, o documentário da Pamela Anderson, Uma história de Amor (Netflix). Eu confesso que não sabia muito sobre a vida dela, nunca vi sua sex tape, mas fiquei surpresa com a pessoa amável que ela é apesar de tudo que passou. Sua história é mais um exemplo do que a mídia fez com uma sex symbol, que não podia ser nada além disso.
~ Para ficar com raiva dos homens, vi só agora Don’t Worry Darling, estrelado pelo Harry Styles e dirigido pela Olivia Wilde - também conhecido como o filme que possibilitou o casinho entre os dois e o fim do casamento da Olivia por causa de uma salada. Conta a história de uma cidade perfeita, onde os homens vivem a vida que eles sempre quiseram, com mulheres submissas e que não faziam perguntas demais. É uma vibe bem red pill, mas vale a pena.
Assisti ao Oscar neste domingo e sai com uma listinha. Quem sabe na minha próxima news eu volte com algumas dicas de lá 😉